22 março, 2009





Foi notada a recente edição pelo Instituto Camões, instância pública de difusão internacional da cultura portuguesa, de (mais) uma publicação de Alexandre Melo, Arte e Artistas em Portugal. O autor é apresentado como licenciado em economia e doutorado em sociologia, crítico de arte, organizador de exposições, autor de diversos livros e também curador das colecções do Banco Privado (em depósito em Serralves) e Ellipse Foundation. Como é sumamente sabido, embora não referido na algo modesta apresentação de um autor que acumula tantos papéis, ele é também assessor cultural do Primeiro-Ministro José Sócrates. Dirá o autor (e de resto já o tem dito) que apesar da data recente da publicação, ocorrida durante a presidência portuguesa da União Europeia durante o segundo semestre do ano passado (facto aliás expressamente assinalado numa nota introdutória do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado), a encomenda data já de 2001, quando o director do Camões era Jorge Couto, e não quando Melo já exercia o seu actual assessorado.

Em rigor, pouco importa isso, pois se confirma a proximidade de Melo a uma zona de poder com conotações partidárias, PS no caso (de resto, sendo novamente governo o PS, como o era ao tempo da encomenda, também o responsável pela encomenda, Jorge Couto, está de novo num alto cargo cultural público, a direcção da Biblioteca Nacional), e que o autor do livro, para além das funções que presentemente exerce junto do primeiro-ministro, continua “apresentável”, como curador de colecções privadas, e a esse nível interveniente também em instâncias que são ao mesmo tempo de “consagração” e de “mercado”.

Seja qual for a perspectiva, artística, sociológica, política ou ética, torna-se patente que Alexandre Melo é um “case study” de acumulação de competências e papéis – que até eventualmente poderia no âmbito académico ser objecto de uma análise, não sem o risco de ainda vir a ter como arguente ou director do júri o mesmo Alexandre Melo, tais as promiscuidades instaladas.

É uma tal abordagem da arte a altos níveis do Estado, com competências sobrepostas e na institucionalização das promiscuidades, um caso crítico, ético e político que cristaliza um entendimento do “Estado da Arte” – sem qualquer regulação de instâncias de regulação. É uma intervenção nos “mundos da arte” que configura uma “dominação” e uma legitimação directa a partir de instâncias centrais do poder político, em violação das normas abertas no espaço público. E que por inteiro, creio, justifica que obstinadamente se continue a chamar a atenção para um sistema gravosamente enquinado…




“Crítico excelentíssimo” é o título de novo texto na coluna “O Estado da Arte” em www.artecapital.net , prosseguindo a reflexão “Estado da arte – arte do Estado?”.


Nota – A propósito de promiscuidades, “arte do Estado” e outras questões: a série PortugALL S.A. – As colecções de Manuel Pinho prosseguirá, tanto mais que agora abriram as exposições por ele desejadas no Allgarve.


(Jornal de Letras) e em Madrid (Exitbook, nº 1) sobre um livro de Hal Foster, crítico de arte e arquitectura, muito bem intitulado Design and Crime (livro de 2002 [da Verso] e ainda não traduzido e editado em Portugal: porquê?).
A recensão, com algumas alterações, era mais ou menos o que se segue.
Num dos seus Ditos e Desditos, escreve Karl Kraus: “O que a sífilis poupou será devastado pela imprensa. Nos amolecimentos cerebrais do futuro, a causa não poderá ser determinada com precisão”. Essa parece ser a tarefa a que se propõe este livro-diatribe de Hal Foster, original ao ponto de poder ler-se como uma (segunda) resposta à citação de Kraus.
Qual é para Foster a causa do amolecimento cerebral contemporâneo, e a quem serve? É a transformação da ética de vida (Nietzsche, Foucault) num mero décor: é o DESIGN! O design é o maior crime “estético” do mundo contemporâneo, da obtusa sociedade capitalista transformada em sociedade do “conforto espectacularizado” (nada a ver com o conforto, portanto).

(Ler pois o resto, para perceber um pouco da grande fraude do design contemporâneo)
O design tornou -se de imediato design “global”, tudo foi invadido, a tudo o design aplicado. Aqui e agora cada indivíduo é, ao mesmo tempo, “designer” e “designed”. A dominação e manipulação do / pelo design é total: da casa (design de decoração) ao rosto (cirurgia plástica), da personalidade (drugs design) ao DNA (children design), de um candidato presidencial ganhador à Young British Art (nos livros-objectos de Bruce Mau, por exemplo), passando pela memória histórica (museum design), à arquitectura-espectáculo de Frank Gehry (“this designer of metallic museums and curvy halls”) e à teoria-espectáculo de Rem Koolhaas (ver Caps. 3 e 4, pp. 27-62).


Gehry, o arquitecto-rei das “big corporations”, sucessor de Philip Johnson, no Emirates Palace Hotel, Abu Dhabi.
Em baixo, o Walt Disney Concert Hall (Gehry, 2003).
Em “Design and Crime” (título do Capítulo 2 e do livro), Foster não podia ser mais certeiro: o nosso fim de século XX é similar ao anterior, quando o “Art Nouveau” pretendia-exigia aplicar a tudo o mesmo “motivo floral” – da arquitectura aos cinzeiros. Os cegos de hoje são os que não querem perceber como é que essse “estilo” rapidamente passou de obsoleto a Camp e Kitsch, e que é essa menoridade que preside ao nosso descomprometido (cultural e politicamente) total design, ao “Style 2000” e à estética do “poor little rich man” do “dot.capitalismo”. Hoje não é toda a cultura de massas que sai vencedora, é apenas o abaixamento do género “child of the elite”. Este “apenas” é muito: é a vulgarização do “valor médio” (que não é mais distintivo) na megastore, esse lugar mítico onde tudo se vende até mesmo a fantasia de que as divisões de classe já foram suspensas. É um mundo de “qualidades sem pessoas” (que Foster citará de Robert Musil) que se abre.
Do “Art Nouveau” à Bauhaus, das teses de Adorno a Guy Debord, dos anos 20 da rádio, cinema e da reprodução — que Debord tomou como início da “sociedade do espectáculo” –, da era da imagem no pós-guerra (dissecada por Warhol) ao “dot.capitalismo” (percurso do Cap. 1, “Brow Beaten”), Foster analisa um tempo em que a economia pós-fordista de produção de bens ligada a mercados demarcados (“constantly niched”) gerou uma desregulação do capitalismo: aqui, design, marketing e espectáculo substituem-se à produção.
Creio que podemos ver nesta denúncia do total design e da sua penetração em todas as esferas da vida social e artística, a continuação de algo que nos anos 80 ocupou Foster: a crítica do pluralismo, essa disfarçada preparação para a aceitação da arte-mercadoria, da arquitectura e teoria-espectáculo. Um dos ensaios de Recodings (1985) intitulava-se, como se sabe, “Against Pluralism”. Aí denunciava-se o pluralismo como posição-alibi, ao mesmo tempo um esvaziamento das argumentações e a preservação do status quo político, do gosto e da crítica, indefinidamente.

Jimmie Durham, performance, 2004.
Hal Foster, na segunda parte deste livro vai partir da tese de um duplo crepúsculo — do modernismo e do pós-modernismo – para analisar a relação entre as disciplinas artísticas e as políticas institucionais (estudando casos que vão de Baudelaire a Malraux) e avançar com oportunas leituras alternativas. Valorizando obras como as de William Kentridge, Rachel Whiteread, James Coleman, Gerhard Richter, Stan Douglas ou David Hammons, em categorias como o traumático histórico (Gerhard Richter ou Hans Haacke), o espectral (Jim Jarmusch, Robert Gober ou Whiteread, ou a “sombra” que Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, projecta sobre The Hours, de Michael Cunningham), a assincronia (Douglas) ou a fisicalidade incongruente (Hammons, Jimmie Durham). Em suma, este livro é importante pelo seu certeiro diagnóstico e pelas alternativas, abrindo o que eu vejo como uma quarta via no pensamento do autor.
As outras três vias seriam: 1) a defesa (em Recodings) de um pós-modernismo pós-estruturalista por oposição a um pós-modernismo conservador, este ligado ao estilo, à narrativa, ao ornamento (note-se que é a partir da denúncia do ornamento por Adolf Loos, Ornament and Crime, 1908, que Foster vai construir o seu livro desde o título), e às políticas de Reagan e Theatcher. 2) a ligação entre o “retorno do real” e o “retorno do medium”. 3) por fim, relacionado com o tópico anterior, Hal Foster, embora não como Harold Bloom, vai considerar que uma obra conseguida do presente desenvolve aspectos pertinentes de uma obra do passado. Sem referências causais, pois as relações de Foster trabalham uma releitura do conceito de vanguarda, complexificado e reversível: “Crucial here is the relation between turns in critical models and returns of historical practices (…): how does a reconnection with a past practice support a disconnection from a present practice and / or a development of a new one ?” (The Return of the Real, 1996).
Uma alusão final ao importante Capítulo 7, “Art Critics in Extremis”, uma reflexão sobre a critica de arte americana desde o pós-guerra à actualidade, tomando como ponto de partida um livro organizado por Amy Newman sobre a história da Artforum entre 1962 a 1974. Recordando Greenberg, as relações entre este e Michael Fried, Rosalind Krauss, Barbara Rose, Harold Rosenberg ou Annette Michelson, Foster vai concluir que não há boa crítica sem conflitualidade dramática – algo que é estranho a um tempo, o nosso, em que do luto do formalismo greenberguiano se passou para o domínio dos dealers e “comissários a-críticos”. Daí que a actual expansão seja antes uma contracção, nas palavras de Theodor Adorno, recordadas por Hal Foster.



Design and Crime
Hal Foster fala no capítulo "Design and Crime" sobre o desenvolvimento do Design comecando com a época do Art-Nouveau até aos dias de hoje. 
Ele menciona o arquitecto Adolf Loos que, na sua manifestação "Ornament and Crime" (1908), se opõe ao estilo criminoso da Arte-Nouveau. A palavra chave do seu ponto de vista é o "running-room" que dá ao objecto um espaço de cultura e de subjectividade: "objective limits are necessary for the "running-room" that allows for the making of a liberal kind of subjectivity and culture" (p.17). 
Foster fala depois da revolução industrial e do nascimento do Bauhaus, em 1920, que tem o sistema "of exchange value to the whole domain of signs, forms, and objects(...)in the name of design" (p18). 
No final refere-se ainda ao design de hoje em dia em comparação com o seu passado e tenta situar o design nas areas de economia, política e cultura. 
O titulo "Design and Crime" tem um sentido paralelo com o de Adolf Loos "Ornament and Crime", o que mostra que Hal Foster critica também o Design da nossa época. Na sua opinião o design tem basicamente uma função económica. É um meio de poder vender um produto com sucesso. Além disso tem uma lógica narcisista em que o objecto não exprime valores culturais nem subjectivos. E está, portanto, fechado e morto: "design abets a near-perfect circuit of production and consumption, without much "running-room" for anything else" (p.18). Este é o desejo de Hal Foster, ou seja, que o design divulgue a cultura através do "running-room" (p.25).
Os aspectos económicos são acentuados; o design orienta-se ao mercado que é caracterizado pela ?especialização flexivel", pela produção de quantidade em poco tempo e pela orientação ao consumidor (p19). 
Foster enumera ainda trés factores que conduzem á inflação do design: O produto transforma-se num objecto personalizado e autónomo, "mini-me". Em segundo, a embalagem do produto tem de atrair a atenção do consumidor. E Terceiro, a indústria dos média, que dão aos produtos uma existência digital, que está sempre a mudar (p.20). Concluindo Hal Foster pensa que se pode falar do "political economy of design" (p.22). 
O capítulo acaba com os pensamentos de Musil sobre o estilo 2000. Ele quer dizer que o nosso mundo é vazio de valores interiores e que existem só significados possíveis. As pessoas já nao têm uma relação com este mundo, "a world of qualities without man has arisen(...)"(p.26) 
Acho que, na maioria, Foster tem razão, mesmo que os seus argumentos sejam muito negativos. O trabalho do designer tem uma função económica se calhar grande de mais porque o sucesso de venda depende muito da imagem do produto. Assim acontece muitas vezes a imagem de um produto ser mais dominante do que o objecto em si. Neste sentido o designer é como um "mentiroso" ou, como Foster diria, um "criminoso". 
Hoje, realmente, já não há um equilibrio entre o mundo visual e o mundo dos objectos. A publicidade por exemplo, que é a parte mais "económica" do design, usa imagens para atrair a atenção do consumidor e para convencé-lo dos valores e da necessidade do produto. Mas as nossas "experiências", das quais Musil fala, são outras. Por exemplo as fotografias nas montras são manipuladas pelo Photoshop, não são do nosso mundo real. Se o mundo visual é completamente manipulado é óbvio que nós não somos integrados nele. Sentimos que os objectos tem uma vida autónoma e anónima. 
Hal Foster fala sempre dos "running-rooms", mas como é que os realizar, fica um segredo.