16 abril, 2009

Description
From Andy Warhol's Brillo boxes to provocative dung-splattered madonnas, in today's art world many strange, even shocking, things are put on display. This often leads exasperated viewers to exclaim--is this really art?

In this invaluable primer on aesthetics, Freeland explains why innovation and controversy are so highly valued in art, weaving together philosophy and art theory with many engrossing examples. Writing clearly and perceptively, she explores the cultural meanings of art in different contexts, and highlights the continuities of tradition that stretch from modern often sensational works, back to the ancient halls of the Parthenon, to the medieval cathedral of Chartres, and to African nkisi nkondi fetish statues. She explores the difficulties of interpretation, examines recent scientific research into the ways the brain perceives art, and looks to the still-emerging worlds of art on the web, video art, art museum CD-ROMS, and much more. She also guides us through the various theorists of art, from Aristotle and Kant to Baudrillard. Throughout this nuanced account of theories, artists, and works, Freeland provides us with a rich understanding of how cultural significance is captured in a physical medium, and why challenging our perceptions is, and always has been, central to the whole endeavor.

It is instructive to recall that Henri Matisse himself was originally derided as a "wild beast." To horrified critics, his bold colors and distorted forms were outrageous. A century later, what was once shocking is now considered beautiful. And that, writes Freeland, is art. Reviews
"I know of no work that moves so swiftly and with so sure a footing through the battle zones of art and society today."--Arthur C. Danto

"Profoundly refreshing and satisfying.... Freeland's energetic and engaging voice breezily guides the reader, while employing an astonishing array of examples to illuminate and activate her explications."--Don Bacigalupi, Director, San Diego Museum of Art

"A vibrant study of a complex and contentious field of artistic endeavor and enquiry.... Lucid and thought-provoking."--Murray Smith, University of Kent

"Freeland provides a unique and inclusive view of the past by discussing it from the vantage point of contemporary art."--Lucy R. Lippard, author of Mixed Blessings: New Art in a Multicultural America
Product Details
256 pages; 8 color plates, 24 b/w halftones; 4-1/2 x 7;
ISBN13: 978-0-19-285367-7
ISBN10: 0-19-285367-8
About the Author(s)
Cynthia Freeland is Professor of Philosophy at the University of Houston, Texas. Her books include The Naked and the Undead: Evil and the Appeal of Horror, Feminist Interpretations of Aristotle , and Philosophy and Film .

22 março, 2009





Foi notada a recente edição pelo Instituto Camões, instância pública de difusão internacional da cultura portuguesa, de (mais) uma publicação de Alexandre Melo, Arte e Artistas em Portugal. O autor é apresentado como licenciado em economia e doutorado em sociologia, crítico de arte, organizador de exposições, autor de diversos livros e também curador das colecções do Banco Privado (em depósito em Serralves) e Ellipse Foundation. Como é sumamente sabido, embora não referido na algo modesta apresentação de um autor que acumula tantos papéis, ele é também assessor cultural do Primeiro-Ministro José Sócrates. Dirá o autor (e de resto já o tem dito) que apesar da data recente da publicação, ocorrida durante a presidência portuguesa da União Europeia durante o segundo semestre do ano passado (facto aliás expressamente assinalado numa nota introdutória do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado), a encomenda data já de 2001, quando o director do Camões era Jorge Couto, e não quando Melo já exercia o seu actual assessorado.

Em rigor, pouco importa isso, pois se confirma a proximidade de Melo a uma zona de poder com conotações partidárias, PS no caso (de resto, sendo novamente governo o PS, como o era ao tempo da encomenda, também o responsável pela encomenda, Jorge Couto, está de novo num alto cargo cultural público, a direcção da Biblioteca Nacional), e que o autor do livro, para além das funções que presentemente exerce junto do primeiro-ministro, continua “apresentável”, como curador de colecções privadas, e a esse nível interveniente também em instâncias que são ao mesmo tempo de “consagração” e de “mercado”.

Seja qual for a perspectiva, artística, sociológica, política ou ética, torna-se patente que Alexandre Melo é um “case study” de acumulação de competências e papéis – que até eventualmente poderia no âmbito académico ser objecto de uma análise, não sem o risco de ainda vir a ter como arguente ou director do júri o mesmo Alexandre Melo, tais as promiscuidades instaladas.

É uma tal abordagem da arte a altos níveis do Estado, com competências sobrepostas e na institucionalização das promiscuidades, um caso crítico, ético e político que cristaliza um entendimento do “Estado da Arte” – sem qualquer regulação de instâncias de regulação. É uma intervenção nos “mundos da arte” que configura uma “dominação” e uma legitimação directa a partir de instâncias centrais do poder político, em violação das normas abertas no espaço público. E que por inteiro, creio, justifica que obstinadamente se continue a chamar a atenção para um sistema gravosamente enquinado…




“Crítico excelentíssimo” é o título de novo texto na coluna “O Estado da Arte” em www.artecapital.net , prosseguindo a reflexão “Estado da arte – arte do Estado?”.


Nota – A propósito de promiscuidades, “arte do Estado” e outras questões: a série PortugALL S.A. – As colecções de Manuel Pinho prosseguirá, tanto mais que agora abriram as exposições por ele desejadas no Allgarve.


(Jornal de Letras) e em Madrid (Exitbook, nº 1) sobre um livro de Hal Foster, crítico de arte e arquitectura, muito bem intitulado Design and Crime (livro de 2002 [da Verso] e ainda não traduzido e editado em Portugal: porquê?).
A recensão, com algumas alterações, era mais ou menos o que se segue.
Num dos seus Ditos e Desditos, escreve Karl Kraus: “O que a sífilis poupou será devastado pela imprensa. Nos amolecimentos cerebrais do futuro, a causa não poderá ser determinada com precisão”. Essa parece ser a tarefa a que se propõe este livro-diatribe de Hal Foster, original ao ponto de poder ler-se como uma (segunda) resposta à citação de Kraus.
Qual é para Foster a causa do amolecimento cerebral contemporâneo, e a quem serve? É a transformação da ética de vida (Nietzsche, Foucault) num mero décor: é o DESIGN! O design é o maior crime “estético” do mundo contemporâneo, da obtusa sociedade capitalista transformada em sociedade do “conforto espectacularizado” (nada a ver com o conforto, portanto).

(Ler pois o resto, para perceber um pouco da grande fraude do design contemporâneo)
O design tornou -se de imediato design “global”, tudo foi invadido, a tudo o design aplicado. Aqui e agora cada indivíduo é, ao mesmo tempo, “designer” e “designed”. A dominação e manipulação do / pelo design é total: da casa (design de decoração) ao rosto (cirurgia plástica), da personalidade (drugs design) ao DNA (children design), de um candidato presidencial ganhador à Young British Art (nos livros-objectos de Bruce Mau, por exemplo), passando pela memória histórica (museum design), à arquitectura-espectáculo de Frank Gehry (“this designer of metallic museums and curvy halls”) e à teoria-espectáculo de Rem Koolhaas (ver Caps. 3 e 4, pp. 27-62).


Gehry, o arquitecto-rei das “big corporations”, sucessor de Philip Johnson, no Emirates Palace Hotel, Abu Dhabi.
Em baixo, o Walt Disney Concert Hall (Gehry, 2003).
Em “Design and Crime” (título do Capítulo 2 e do livro), Foster não podia ser mais certeiro: o nosso fim de século XX é similar ao anterior, quando o “Art Nouveau” pretendia-exigia aplicar a tudo o mesmo “motivo floral” – da arquitectura aos cinzeiros. Os cegos de hoje são os que não querem perceber como é que essse “estilo” rapidamente passou de obsoleto a Camp e Kitsch, e que é essa menoridade que preside ao nosso descomprometido (cultural e politicamente) total design, ao “Style 2000” e à estética do “poor little rich man” do “dot.capitalismo”. Hoje não é toda a cultura de massas que sai vencedora, é apenas o abaixamento do género “child of the elite”. Este “apenas” é muito: é a vulgarização do “valor médio” (que não é mais distintivo) na megastore, esse lugar mítico onde tudo se vende até mesmo a fantasia de que as divisões de classe já foram suspensas. É um mundo de “qualidades sem pessoas” (que Foster citará de Robert Musil) que se abre.
Do “Art Nouveau” à Bauhaus, das teses de Adorno a Guy Debord, dos anos 20 da rádio, cinema e da reprodução — que Debord tomou como início da “sociedade do espectáculo” –, da era da imagem no pós-guerra (dissecada por Warhol) ao “dot.capitalismo” (percurso do Cap. 1, “Brow Beaten”), Foster analisa um tempo em que a economia pós-fordista de produção de bens ligada a mercados demarcados (“constantly niched”) gerou uma desregulação do capitalismo: aqui, design, marketing e espectáculo substituem-se à produção.
Creio que podemos ver nesta denúncia do total design e da sua penetração em todas as esferas da vida social e artística, a continuação de algo que nos anos 80 ocupou Foster: a crítica do pluralismo, essa disfarçada preparação para a aceitação da arte-mercadoria, da arquitectura e teoria-espectáculo. Um dos ensaios de Recodings (1985) intitulava-se, como se sabe, “Against Pluralism”. Aí denunciava-se o pluralismo como posição-alibi, ao mesmo tempo um esvaziamento das argumentações e a preservação do status quo político, do gosto e da crítica, indefinidamente.

Jimmie Durham, performance, 2004.
Hal Foster, na segunda parte deste livro vai partir da tese de um duplo crepúsculo — do modernismo e do pós-modernismo – para analisar a relação entre as disciplinas artísticas e as políticas institucionais (estudando casos que vão de Baudelaire a Malraux) e avançar com oportunas leituras alternativas. Valorizando obras como as de William Kentridge, Rachel Whiteread, James Coleman, Gerhard Richter, Stan Douglas ou David Hammons, em categorias como o traumático histórico (Gerhard Richter ou Hans Haacke), o espectral (Jim Jarmusch, Robert Gober ou Whiteread, ou a “sombra” que Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, projecta sobre The Hours, de Michael Cunningham), a assincronia (Douglas) ou a fisicalidade incongruente (Hammons, Jimmie Durham). Em suma, este livro é importante pelo seu certeiro diagnóstico e pelas alternativas, abrindo o que eu vejo como uma quarta via no pensamento do autor.
As outras três vias seriam: 1) a defesa (em Recodings) de um pós-modernismo pós-estruturalista por oposição a um pós-modernismo conservador, este ligado ao estilo, à narrativa, ao ornamento (note-se que é a partir da denúncia do ornamento por Adolf Loos, Ornament and Crime, 1908, que Foster vai construir o seu livro desde o título), e às políticas de Reagan e Theatcher. 2) a ligação entre o “retorno do real” e o “retorno do medium”. 3) por fim, relacionado com o tópico anterior, Hal Foster, embora não como Harold Bloom, vai considerar que uma obra conseguida do presente desenvolve aspectos pertinentes de uma obra do passado. Sem referências causais, pois as relações de Foster trabalham uma releitura do conceito de vanguarda, complexificado e reversível: “Crucial here is the relation between turns in critical models and returns of historical practices (…): how does a reconnection with a past practice support a disconnection from a present practice and / or a development of a new one ?” (The Return of the Real, 1996).
Uma alusão final ao importante Capítulo 7, “Art Critics in Extremis”, uma reflexão sobre a critica de arte americana desde o pós-guerra à actualidade, tomando como ponto de partida um livro organizado por Amy Newman sobre a história da Artforum entre 1962 a 1974. Recordando Greenberg, as relações entre este e Michael Fried, Rosalind Krauss, Barbara Rose, Harold Rosenberg ou Annette Michelson, Foster vai concluir que não há boa crítica sem conflitualidade dramática – algo que é estranho a um tempo, o nosso, em que do luto do formalismo greenberguiano se passou para o domínio dos dealers e “comissários a-críticos”. Daí que a actual expansão seja antes uma contracção, nas palavras de Theodor Adorno, recordadas por Hal Foster.



Design and Crime
Hal Foster fala no capítulo "Design and Crime" sobre o desenvolvimento do Design comecando com a época do Art-Nouveau até aos dias de hoje. 
Ele menciona o arquitecto Adolf Loos que, na sua manifestação "Ornament and Crime" (1908), se opõe ao estilo criminoso da Arte-Nouveau. A palavra chave do seu ponto de vista é o "running-room" que dá ao objecto um espaço de cultura e de subjectividade: "objective limits are necessary for the "running-room" that allows for the making of a liberal kind of subjectivity and culture" (p.17). 
Foster fala depois da revolução industrial e do nascimento do Bauhaus, em 1920, que tem o sistema "of exchange value to the whole domain of signs, forms, and objects(...)in the name of design" (p18). 
No final refere-se ainda ao design de hoje em dia em comparação com o seu passado e tenta situar o design nas areas de economia, política e cultura. 
O titulo "Design and Crime" tem um sentido paralelo com o de Adolf Loos "Ornament and Crime", o que mostra que Hal Foster critica também o Design da nossa época. Na sua opinião o design tem basicamente uma função económica. É um meio de poder vender um produto com sucesso. Além disso tem uma lógica narcisista em que o objecto não exprime valores culturais nem subjectivos. E está, portanto, fechado e morto: "design abets a near-perfect circuit of production and consumption, without much "running-room" for anything else" (p.18). Este é o desejo de Hal Foster, ou seja, que o design divulgue a cultura através do "running-room" (p.25).
Os aspectos económicos são acentuados; o design orienta-se ao mercado que é caracterizado pela ?especialização flexivel", pela produção de quantidade em poco tempo e pela orientação ao consumidor (p19). 
Foster enumera ainda trés factores que conduzem á inflação do design: O produto transforma-se num objecto personalizado e autónomo, "mini-me". Em segundo, a embalagem do produto tem de atrair a atenção do consumidor. E Terceiro, a indústria dos média, que dão aos produtos uma existência digital, que está sempre a mudar (p.20). Concluindo Hal Foster pensa que se pode falar do "political economy of design" (p.22). 
O capítulo acaba com os pensamentos de Musil sobre o estilo 2000. Ele quer dizer que o nosso mundo é vazio de valores interiores e que existem só significados possíveis. As pessoas já nao têm uma relação com este mundo, "a world of qualities without man has arisen(...)"(p.26) 
Acho que, na maioria, Foster tem razão, mesmo que os seus argumentos sejam muito negativos. O trabalho do designer tem uma função económica se calhar grande de mais porque o sucesso de venda depende muito da imagem do produto. Assim acontece muitas vezes a imagem de um produto ser mais dominante do que o objecto em si. Neste sentido o designer é como um "mentiroso" ou, como Foster diria, um "criminoso". 
Hoje, realmente, já não há um equilibrio entre o mundo visual e o mundo dos objectos. A publicidade por exemplo, que é a parte mais "económica" do design, usa imagens para atrair a atenção do consumidor e para convencé-lo dos valores e da necessidade do produto. Mas as nossas "experiências", das quais Musil fala, são outras. Por exemplo as fotografias nas montras são manipuladas pelo Photoshop, não são do nosso mundo real. Se o mundo visual é completamente manipulado é óbvio que nós não somos integrados nele. Sentimos que os objectos tem uma vida autónoma e anónima. 
Hal Foster fala sempre dos "running-rooms", mas como é que os realizar, fica um segredo. 

24 fevereiro, 2009

Fundação Petardo 2008

Prémio Propostas polémicas à Alternativa zero


Alternativa 1 (curadoria de Patricia Trindade)

Patrícia Trindade (Curadora) julgou que Alternativa Zero se tratava de um episódio piloto. Pela coragem, pela invulgar capacidade de revolver os mortos no seu caixão e pelo suborno(a canetinha), O Petardo oferece-lhe esta distinção.



Prémio Melanoma

ALLGARVE (curadoria de Manuel Pinho)

Manuel pinho é um homem com sorte, não só toma banho com o Michael Phelps, como tem um Karma invulgar, que lhe permite lucrar com cada exposição realizada no programa Allgarve (que cedo irá substituir o Ministério da Cultura).



Prémio noivo em fuga

Pedro Costa

Embora todos os seus filmes se desenrolem num ambiente toxicómano e neurótico, Pedro Costa teve a sanidade de não deixar misturar o Quarto da Vanda com os naprons da Joana.



Prémio annus horribilis

Joana Vasconcelos representante oficial na Bienal de Veneza 2009

O anunciado ano de crise terá o seu ponto mais negro quando Joana destapar duas Gôndolas feitas de bordados Madeirenses.



Prémio Olhos de água

José António Pinto Ribeiro

“Duas vidas separadas pelo tempo/dois destinos/uma história de amor”
Assim começa a música de Toy, baseada na história de dois irmãos separados à nascença: um pobrezinho e ingénuo director da Gulbenkian e outro, um rico e ambicioso administrador da Fundação Berardo. Por erro, os seus nomes são confundidos e um deles ocupa o cargo ministerial que o outro devia ter ocupado. No ultimo episódio, Pinto Ribeiro decide fazer mais com menos e governa o Ministério da Cultura com 10 euros.



Prémio Titanic

Ellipse Fundation

O Titanic dominaria os mares, o 3ºreich duraria 100 anos e a Ellipse era um investimento com futuro.



Prémio ficção infanto-juvenil

Prémio EDP novos artistas

"Ei pessoal, acertei em 3 e numa estrela!"



Prémio Coerência

A colecção de penicos de Joe Berardo (ver aqui)

O gosto do coleccionador é requintado: art-deco, cartazes publicitários do pós guerra, minimalismo, art-Pop e bacios.



Prémio Curador dos anéis

Nuno Sacramento

Uma mistura de Stand-Up Comedian e curador, mas sem jeito para nenhuma das duas coisas.



Prémio "Final Digno"

Lagoa Henriques

Dono ad-eternum de um “atelier de Descanço” em Belém, Lagoa Henriques prepara-se para apresentar à C.M.L mais um projecto aliciante: Um Atelier-Mausoleu em sua honra.



Prémio Madre Teresa de Calcutá

Câmara Municipal de Lisboa

"Nunca compreenderemos o quanto um simples sorriso pode fazer."
Com este simples pensamento os anteriores presidentes da Câmara Municipal de Lisboa ganharam um lugar no Céu.



Grande prémio Graça Machel

José António Fernandes Dias

Acautelem-se algozes Colonialistas! Abrirá em Lisboa um museu de arte Africana Contemporânea a tempo da próxima visita de Robert Mugabe, Kadafi, Nino Vieira, Abdallah, José Eduardo dos Santos e outros Ditadores Africanos Contemporâneos!



Prémio Linda de Suza

Rita GT

A Valise en Carton pode ter sido substituída por uma “Sansonite: Made in Europe, 10 year warranty. Garantie de 10 ans, Fabrique en Europe”, mas a melancolia de um emigrante nunca foi fácil.



Prémio Marlon Brando

Delfim Sardo

Quem se pode esquecer do papel desempenhado por Marlon Brando no papel de um Don Vito Corleone Obeso e poderoso?



Prémio Bipolar

Associação Nova-Cultura (pavilhão 28)

De espaço alternativo a alternativa a galeria em seis meses, um record digno de memória.

16 fevereiro, 2009


Portraits by Ingres: Image of an Epoch edited by Gary Tinterow and Philip Conisbee
Velázquez: The Technique of Genius by Jonathan Brown and Carmen Garrido
The exhibition at the National Gallery of Ingres’s portraits is both lavish and comprehensive. It also insists that you come to a conclusion about him. To be offered something as complete as this and not sort out your ideas would be slovenly. Which is not to say that it’s easy. The pictures are brilliantly painted, intensely pleasurable – and oppressive. To start with what’s oppressive. In some of the portraits of women the flesh of bare arms and shoulders looks powdered and resilient, as though they were blown up from some specially luxurious surgical rubber and then talcumed. The men meanwhile might have been groomed for the television lights. The finish is smooth, precise and brilliant. The brush-strokes are hardly visible, and you have to look closely to see how the paint was applied. It is as though these people have been expensively transformed by some cosmetic process into Ingres-flesh. And in a way – though Ingres complained that the fees paid for small pictures were not worth the effort – they have been.
If the flesh has become ornamental, then the ornaments have become substantial. There’s no suggestion that they are stage props or something dashed in by a studio assistant (though prodigiously skilful assistants helped with the later portraits, just as Ingres himself did the footstool and candelabra in the unfinished portrait of Madame Récamier when he was a pupil in David’s studio). The objects represented here can be traced from old inventories; indeed, an academic study exists devoted solely to Ingres’s eloquent mantelpieces. He shows not the slightest hint of embarrassment about the material expression of power derived from wealth. And the physicality of it all, of the clothes, the coiled hair and the flesh, makes the pictures sexy in a way you do not expect portraits, particularly society portraits, to be.
These are likenesses, while owing little to the pursuit of fleeting expressions. Ingres’s subjects resembled his pictures of them in the same way that kings resemble their profiles on coins. They are portraits-as-icons. Contemporary critics recognised this, and complained about it as soon as he exhibited his Byzantine-looking Napoleon, seen from the front, in 1806. The opulence of the fabric, ornaments and jewellery, and the way the sitter’s body and face are fitted into a geometry of curves dividing the image into discrete fields (brilliant white neck-cloths against sombre coats and smooth, hothouse flesh; a shawl, a fragment of a cushion, a fan; broadcloth punctuated by a fob) – all this ensures that a portrait by Ingres is an exotic object.
That he painted this way by choice is proved by the exceptions: the early portrait of his much-loved wife (he had proposed by post and was accepted, sight unseen) and the early profile of a boy – almost a sketch – which, when he saw it again late in life, he said was the best thing he had ever done. It is clear also from the drawings: not just the portrait drawings, which were ends in themselves, but the wonderful studies he made in preparation for some of his histories. These, often of nude figures which were later clothed, explore contours with the freedom and delight of a lover’s fingers. The portrait drawings, too, have a spontaneity which was subdued by the discipline of paint. Many were of friends and given as presents, but they kept the wolf from the door in Rome when, with the fall of Napoleon, Ingres lost the patronage of the departing French Imperial administration.
Many of the Grand Tourists who took home an Ingres drawing as a memento were young English men and women. These drawings – of single figures, sister and sister, brother and sister, husband and wife – would make better illustrations to Jane Austen (providing you blot out the occasional scrap of Roman scenery) than the English fashion-plates publishers tend nowadays to turn up. The young people in them look, on the whole, to be lively and agreeable, if sometimes also a bit wet or pompous. And he was wonderfully good on the frocks, which Jane Austen would have liked. In fact, he got an invitation to visit England to do portraits – he could have given us the Court of George IV just as his hero Holbein gave us that of Henry VIII – but he saw history painting as a duty and he rejected the invitation with disdain.
The transformation that Ingres worked on flesh does not obliterate personality. M. Bertin, the journalist, hands on knees – almost, but not quite on the point of rising – is a tremendous presence, as are the jolie-laide Comtesse de Tournon, the amused, smug, perhaps not altogether nice Mme de Haussonville (we have her own word for that: she wrote of her young self that ‘there were two persons inside me, the good and the evil, and the evil usually overcame the good’) and Baronne James de Rothschild, who surprises you by her modern face, handsome, but also intelligent and amusing. In their own terms, these are almost faultless.

Portraiture is an anxious craft, however, and Ingres was not the first or the last successful painter to complain about it, saying that it diverted him from serious picture-making. It is the genre which has most regularly made painters rich, or at least offered them a reliable income, but it has also made them vulnerable to criticism of a kind which cannot be put down to differences in taste – everyone, after all, reckons to be able to judge a likeness. You can see why even successful portraitists might tire of the job.
Although, in the end, he became exceptionally choosy about who he would paint, most of Ingres’s subjects are more famous for being his subjects than for being themselves. One contemporary critic pointed out that the people he painted were somehow less coherent when you met them in the flesh than they were in their portraits. The portraits showed what, had they got themselves together, they might have been.
A great virtue of modern exhibition catalogues is the attention they pay to contemporary reactions. This one makes it clear that what we now admire and dislike in Ingres was, on the whole, admired and disliked from the first. It may be some comfort to Ingres, in whatever houri-filled heaven he occupies, to know that no one today is as rude about him as some of his contemporaries were. This is partly because he worries us less. We know there was no need to feel anxious lest his official successes set a conservative agenda for some future ‘national school’ of painting. But the oddities which characterise his style – and which distinguish his kind of realism from that of the daguerreotype or photograph – stood out as clearly, perhaps even more clearly, when the pictures were new.
We are now so used to distortion that arbitrary adjustments of the anatomy (like the dropped shoulder which makes Mme de Haussonville’s arm seem to come from halfway down her chest) may disturb us less than they did his contemporaries. They were struck, on the other hand, as we are, by the light, both flat and lurid, which suggests in many of the early male portraits that a storm is going to break at any moment. Critics commented also on the lack of colour in the male portraits, and on the vivid greens and pinks in the women’s frocks in the later female ones.
The history paintings are hard to take but the odalisques, bathers and Venuses are still ravishing (well, they ravish me). Renaissance painters used geometrical formulae to convey the beauty of bodies, but no thing could be further from Dürer’s grids and tables than Ingres’s soft, twining, plastic girls, with their curved fingers and swan necks. They are rather tired, but they are not so much dreamers as figments of dreams, faces that have been given imagined bodies.
Many of the studies for the female portraits are of nude models, meaning that the final pose was worked out in flesh other than that of the sitter. Even in the drawings he adjusts the body to the picture space so as to satisfy his need for a flow of curves. Thus, Madame Moitessier in her tent of flowered silk becomes an element in a two-dimensional pattern and the parts of the picture surface fit tightly and smoothly together, like those of a machine. Some elements (the shawl in the early portrait of Mme Rivière) take on the qualities that a piece of newspaper has in a Cubist collage. Picasso, indeed, had a productive relationship with Ingres, responding among other things to the style of the portrait drawings, which was established right from the start. Here, the faces are shaded and the nuanced rendering of flesh contrasts wonderfully with the sharp, absolutely direct strokes which describe lace, silk, coats, trousers, jewellery and furniture. The articulation of the body beneath may sometimes get lost, but the assurance of the performance is breathtaking.
For all that he looked for inspiration in ancient art (or, more often, versions of ancient art like Flaxman’s engravings), Ingres was entirely unembarrassed by modern fashion. His wife had been a dressmaker. He records the progress of fashion: from the pretty, high-waisted Empire styles of the Roman portraits to Mme Marcotte’s rather horrid, mid-century, brown dress, from styles which cover bodies to styles which shape them. His profligacy with information helps to explain the inordinate length of time some pictures took to complete – Mme Moitessier was 12 years under the brush. There is more there to be seen than can be taken in at a normal viewing distance; you have to move in close. This Holbeinesque way of making pictures requires tremendous skill, even if it is not as magical as the kind of painting which creates just as great a sense of reality only with less labour.
To understand the difference between portraits which are performances and those, like Ingres’s, which are powerful machines, you have only to go upstairs in the National Gallery and walk along the row of portraits by Velázquez. With Ingres as you get closer there is an increase of information but the mystery goes. Get close to a portrait by Velázquez and the mystery deepens. How could he modulate a single stroke so that it reads as the shape of an eyelid and registers the change of light as the form recedes from you? You see what has been achieved, but it is harder to imagine Velázquez making his mark than it is to imagine Ingres touching in one of his smooth cheeks.
Velázquez: The Technique of Genius is an illuminating introduction to what can be learnt from the surface of the pictures. (Both authors have written at length about Velázquez in other places.) It is built round illustrations of details, nearly all from paintings in the Prado. Here Jonathan Brown, his biographer, reduces the life to Vasari-scale and Carmen Garrido, an expert on technique and materials, explains the nature of single works.
Velázquez is a wonderful subject for this sort of scrutiny. The paintings are remarkably uncompromised either by restoration or the effects of time, and X-rays or photographs by infra-red or ultraviolet light some times show first thoughts which lie under second thoughts. As virtually no drawings have survived, it is only by looking below the surface that you get to understand how he adjusted his compositions. But the best reason for looking at his pictures from close-to is to get to know the astonishing economy and variety of the marks he used. It’s not the case, as it is with Vermeer, that to go very close is to see what you saw before – a smooth, uniform surface, as anonymous as a projection on ground glass. Velázquez’s surface is strikingly various – a lively calligraphy in which each stroke is adapted to its purpose. There are marks for flames, for cheeks, for gleams on armour and sparkles on braid. As you retreat, each mark takes on the look of the thing it stands for – shadow or highlight, a glint in the eye or a spaniel’s curls – and does it so completely that you find your self moving forward again to check which mark it is that carries the information.
I imagine that each stroke must have been monitored in two ways. First, in relation to the look of the thing being painted; second, in relation to its effect as part of the picture. This way of working, with its constant moving back and forth between looking at the subject, painting and looking at what has been painted, has neither the intellectual grandeur of Raphael’s calculated campaigns nor the exuberance of Rubens’s inventions (or the geometrical energy of Ingres’s shapes). Verisimilitude ties an artist to ways of painting which, even when he’s working from imagination, rely on the skill of the transcription. The reward is a vivacity which informs both the image – the face and body of the subject – and the brush-strokes themselves: the delicious elisions of light-to-shadow when one colour is painted into another along a jaw-line, the running twist of a single stroke which makes a ribbon, the broken touches which make lace out of blobs and lines of thick white paint.
Although Velázquez is said to have made drawings from Raphael when in Rome, and although contact with Rubens – when Rubens was in Madrid on a diplomatic mission in 1628 – seems to have been crucial in the transformation of the provincial painter from Seville into the master of the royal portraits, his way of working has more in common with that of the bourgeois Frans Hals than with that of either of those masters of a narrative, textually rich art. Indeed, Velázquez’s kind of representation is inimical to narrative. His greatest invention – Las Meninas – derives its force, in part at least, from the sense that we have come upon something which is unexplained but meaningfully obscure. Although there are endless readings of it, its force would be diminished if any one of them asserted itself unequivocally. If an Ingres portrait is a bit like a machine, one by Velázquez is like a living thing.
Painting a portrait in the direct, economical manner of Velázquez or Hals, or of those artists who learnt from them like Manet and Sargent, is about as close to a dramatic performance as painting can get. It must be carried off within a more or less defined period of time; and there is even an audience – of at least one. Moreover, Velázquez’s painting – most of it direct – attains its masterful ease by risking failure. This is painting in which the distinction between sketch and finished work dissolves; as Carmen Garrido says, Las Meninas ‘can be thought of as the largest oil sketch ever painted’. The progress from sketch to final version – except when the sketch is a cursory shorthand for a pose or grouping – is likely to see losses which cancel out any gains in finish and authority. (To be fair, there is a story about Ingres leaving his studio and crying out with rage and despair in the room next door when he was unable to get the likeness he was after. But the appearance of riskless perfection which marks, say, the portrait of M. Bertin cuts us off from the tension which invests direct painting.)
A painting of a face is never the plain truth. It can suggest characteristics – beauty, pomposity, mendacity – which have only a contingent relationship with the raw material. Sometimes, the transformation is a feat of imagination on the part of the painter. If we knew Charles I from newsreel footage, he would hardly come to mind in the romantic or dignified way he does in memories informed by Van Dyck’s portraits. Sometimes, the painter makes play with conventions about how the body is held, how it is clothed, what kinds of expression are considered appropriate. Velázquez’s paintings cannot be separated from conditions at the Spanish Court in the 17th century any more than Ingres’s can from conditions in 19th-century France. The age makes a contribution, and portrait painters may do so too – I imagine that the way a late 19th-century heiress sat on a sofa was not uninfluenced by Boldini or Sargent – but even the great flatterers had to have something to build on. Sargent’s American women can seem stiff, almost gauche: different from their European sisters, who sit comfortably and are liable to swan or lean.
Distance marks Velázquez’s court portraits. Painter, subject and viewer are all strangers to each other and his technique makes you constantly aware of the need to stand back from the canvas and of the physical distance between the painter and the work as he made it. This distancing is symbolic of his social situation, for his life can be read as an attempt to reduce the distance separating an artisan such as himself and an aristocrat. Jonathan Brown begins his biographical essay with the assertion that ‘The life and career of Diego Velázquez revolved around a weighty dilemma – how could he reconcile his artistic genius with a powerful desire to attain lofty social status?’ His family were gentry but the patronage of the Count-Duke of Olivares brought him to Court, where he rose both as a painter and as a functionary. His ambition to be come a member of one of the military orders was eventually realised in 1658, a couple of years before he died, but only after two Papal dispensations.
Contemporaries said that Velázquez lacked imagination and you can see their point. You could set his classical subjects – there are only a few – up on a stage. In the picture of Vulcan’s forge, painted on his first journey to Italy in 1629-30, the figures are enclosed by the walls of a small room. Apollo, who has dropped in to tell tales on Mars and Venus, stands solidly on the ground; the wreaths of tumbling astronaut-cherubs which Tintoretto and Rubens would have had climbing the sky, are on holiday: even Velázquez’s gods are earth-bound. This is the case both early and late. The picture of Mars painted at the end of his life looks like what it doubtless is – a tough old man dressed up in studio props. His face is almost hidden by the heavy shadow of his helmet; he is in no way a god. Yet there is no obvious reason to think that irony is intended. All Velázquez could do, his critics might say, was paint what was in front of him.
Realism of this kind depends on direct painting. The portrait painters famous for telling likenesses – Titian, Velázquez, Hals – have not left many drawings. Those, like Holbein and Ingres, who have left elaborate studies for portraits or finished portrait drawings convince us that they are trying for a more solid truth than one of fleeting appearance – a truth which can only be watched for. This is why portraitists of the painterly kind are so often recorded as wiping their canvases clean and starting again. The freshness of the strokes, the appearance of effortlessness, is essential if they are to achieve their end. And it may come almost by chance: indeed, the sketch which works is often more striking than anything finished – the portrait of Vernon Lee which Sargent threw off in a couple of hours is admired more than many of his full-dress numbers.
Anything which interrupts the pure business of transcription, any attempt to do it from memory, will take away some of the freshness. It’s not surprising that among Velázquez’s most assured pictures are those of the court dwarves – social distance perhaps removes anxiety. The miraculous short hand which turns the eyes into dark pits, lid and pupil hardly distinguishable, and which reads as a living glance, is not matched even in the most assured of the royal portraits.
It seems there is a choice to be made. Vasari reports Michelangelo as saying that Titian was a wonderful painter but how much better if he’d had a firm grounding in drawing. Yet a preliminary drawing pre-empts the thought about form which is expressed in the gradation of tones and the juxtaposition of tints. The painter who is just a recording machine will fail when thought rather than arrangement is called for. Compare Las Meninas with Rubens’s picture of Loyola casting out devils.
The introductory essay in the Ingres catalogue claims that portrait-painting is on the rise – citing, among others, Chuck Close, and showing one of Cindy Sherman’s pictures of herself in Ingres-like drapes. But these photographs or photo-based images depend on sheer size or ironic quotation for their effects – they are almost as much glosses on the old art of portraiture as a continuation of it. Perhaps the only image-makers who deal in the human face and are not avowed traditionalists, but who would be recognised as doing the same thing in the same way as it has always been done, are caricaturists. Daumier would find common cause with Steve Bell or David Levine; Ingres would stomp from the room faced by Cindy Sherman (but then he wouldn’t look at his Romantic contemporaries either).
Technology has marginalised portrait painters. Like the makers of clockwork watches, they serve only the luxury end of the market. The equivalent of the Grand Tourists whom Ingres drew in Rome now have their own cameras and portraiture’s death by a million snapshots has freed painters from the burden of face-painting about which they so often complained. The trouble is finding another genre which can make the same demands on the artist’s highest skills

“A” DE APROPRIAÇÃO

Este tópico tem como ponto de partida o texto de Hal Foster, Contra o Pluralismo, e visa problematizar os gestos de apropriação de dois artistas, Sherrie Levine e Michael Mandiberg, mais especificamente, nas obras After Walker Evans e After Sherrie Levine, respectivamente, inscrevendo cada um na sua diferenciação crítica diante de características já denunciadas por Foster e que, acredito, circunscrevem o campo da arte pós-moderna, tornando-se extremamente actual e relevante mesmo quando aplicado à produção contemporânea.

A metodologia desta abordagem, portanto, será tomar as referências do texto de Foster e, a partir delas, elaborar o exercício de análise dos artistas, empregando como base para tal a análise de textos publicados. Prevê-se ainda a transcrição de entrevistas realizadas com os próprios artistas.

Abaixo, o parágrafo de Laura Gonzáles Flores (2005, p.150) situa bem este campo de discussão no qual nos vamos  inserir:

Re-apropriação de estilos, prática da citação, do maneirismo, a ascensão do kitsch: é evidente que certo pos-modernismo joga a carta do ecletismo, saboreia gostos misturados, recicla o usado, integra e  apropria-se sem jamais inventar. Rechaça as hierarquias e as avaliações, mantêm permanentemente a confusão entre arte e kitsch, entre cultura e comunicação mediática.

Todavia, por mais poderoso que seja este pos-modernismo, sobretudo como mostramos, nos Estados Unidos, não pode ocultar uma outra vertente da pos-modernidade que poderíamos qualificar, por oposição, de ‘crítica’, ou também de ‘desconstrutivista’. É certo, ainda, que esta versão da pos-modernidade compartilha com a dos ‘neoconservadores’ (Foster) a convicção de que o paradigma modernista se esgotou e que a crise da modernidade não admite apelo, mas fá-lo segundo modalidades plásticas e ideológicas sensívelmente distintas que agora examinaremos.

Para tanto, convém uma breve descrição do trabalho de Sherrie Levine, nas palavras de Dominique Baqué (2003, p.156):

Inscrita na primeira geração de artistas que se propuseram a uma crítica desconstrutiva da representação, Sherrie Levine dedicou-se a fotografar reproduções de fotografias de grandes mestres da fotografia americana: Walker Evans e as suas vistas documentais tomadas durante a grande depressão, Edward Weston e os seus nus auráticos... ‘Ao invés de fazer fotografias de árvores ou de nus, faço fotografias de fotografias’.

Foster (1996, p.37) referencia-se  a uma “espécie de neomomento de vanguardismo de retaguarda”, apontando como características de tal vanguardismo a constante citação e referência à história da arte de forma descontextualizada, o que acaba por gerar um ciclo de paródias ou literais que se tornam uma espécie de postulado da nova arte. Ele denuncia, assim, “o prazer estético como falsa consciência, ou vice-versa”.

As fotografias de Evans fazem referência às imagens gregas dos grandes mestres do Renascimento. Ao apropriar-se das fotografias de Walker Evans, ampliando-as e expondo-as em galerias de arte sob o título After Walker Evans, tendo o seu nome como autora; Levine não só torna literal o termo “tomar uma fotografia” como também literaliza a questão da referência a um limite radical, como se demonstra em trecho de entrevista (1993) a seguir:

Isto é algo que artistas fazem inconscientemente  todo o tempo, trabalhando no estilo de alguém que consideram um grande mestre. Eu apenas quis transformar isto nunca relação literal.

Acredito, neste sentido, que o gesto de apropriação de Levine é crítico na medida em que expõe os clichês que, para popularizarem a arte, acabam desprovendo-a de toda função crítica e tornando-a ingênua. Tais clichês são uma espécie de resposta codificada, e Levine, com sua própria resposta codificada, acaba por realizar um tal jogo que insere a crítica dentro do próprio sistema. “O estereótipo é parte integrante do processo social de incorporação, de exclusão, de dominação e autoridade e constitui, deste modo, uma arma, um instrumento de poder” (BAQUE, 2003, p.153).

O trabalho de Levine  revela-se sempre neste limite, na medida em que exige um leitor crítico e atento para que este se torne eficaz neste contexto crítico.

Já o trabalho de 2001 do artista conceptual Michel Mandiberg consiste em se disponibilizar na internet arquivos em alta resolução das apropriações de Levine, facilitando sua disseminação ao trazer a crítica dela para a era digital. Juntamente com estes arquivos de alta resolução, é possível também ter acesso a um programa que facilita a cópia e impressão destas imagens a qualquer um que tenha acesso à internet, computador e impressora. Juntamente com as imagens, pode-se imprimir também um certificado de autenticidade. Mandiberg usa o trocadilho Command C.V. (em referência aos atalhos copiar e colar do computador) como característico do seu projeto AfterSherrieLevine.com. Assim, são gerados os trigêmeos Walker Evans, Sherrie Levine e Michel Mandiberg. Sobre as suas aparentes indistinções, em Command CV: A legend by default - appropriation of images, comenta-se:

Apesar de os três serem indistinguíveis e não poderem dar uma resposta fornecendo um ou mais pontos de referência, existem distinções tecnológicas nas suas partes mais elementares (...) significativamente, cada protagonista, cada trigêmeo, reivindica tanto uma distinção histórica, epistemológica, quanto carnal, e isto dá-se indiscutívelmente nas complexas conjunturas destas imagens, o que nos faz agora argumentar que são três, ao invés de uma.



 Walker Evans. Sem Título. 1936.

 Sherrie Levine. After Walker Evans. 1979.

 Michel Mandiberg. After Sherrie Levine. 2001.

Significativas diferenças entre as três obras serão abordadas nos tópicos seguintes, principalmente no que tange à aura e à autoria.

• O vampiro da apropriação

Para iniciar este subtópico, proponho uma diferenciação a partir dos mitos desenvolvidos por Joan Fontcuberta no seu livro El Beso de Judas: Fotografia y verdad, no que tange à produção fotográfica pós-moderna. A metáfora é instigante: Fontcuberta trata de dois principais mitos – o narciso e o vampiro. Narciso é o sujeito apaixonado pelo seu próprio reflexo, já o vampiro não possui reflexo. “Desta forma, narcisos e vampiros designariam categorias contrapostas no mundo da representação. Nuns  prevalece a sedução do real, noutros, a frustração do desejo, a desaparição.” (1997, p.40).

Ora, acredito que se tivéssemos que inserir os trabalhos do trio Walker Evans/Sherrie Levine/Michel Mandiberg nestas categorias o resultado seria justamente o que já previa Fontcuberta (1997, p.40): “abrupta irrupção dos vampiros, a sua proliferação,  a sua coexistência com os narcisos e, amiúde, a progressiva metamorfose de uns noutros”.

Não há dúvidas de que a corrente humanista à qual pertence o trabalho de Walker Evans se confronta com a imagem de maneira narcísica.  Está ainda completamente vinculado a um conceito de individualidade do autor, do fotógrafo como gênio expressivo, que tem uma ‘visão particularizada do mundo’ e cujos trabalhos não poderiam ter sido feitos por qualquer fotógrafo amador. Ou ainda, como coloca Annateresa Fabris (2003, passim) ao falar sobre o fotógrafo Nadar: “a sua fotografia seria a expressão do seu ‘espírito humano’” e “não poderia ter sido feita por um asno qualquer”. Ou seja, a posição que se assume aqui é a de um sujeito, e mais, a de um sujeito narcísico.

Já no caso radicalmente oposto de Michel Mandiberg, não se trata de afirmar a existência de um sujeito, mas sim de uma tentativa de dissipá-lo por completo. O que está em jogo agora são os processos pelos quais esta imagem é imersa na complexa trama cultural da qual surgiu - e cuja origem é anterior ao próprio Walker Evans. A presença do seu autor é escondida, não existe no trabalho características da sua personalidade ou  o seu gênio expressivo. E mais – torna viável que qualquer um possa fazer o mesmo e chegar a exactamente o mesmo resultado (por meio do programa que Mandiberg disponibiliza no seu site). A completa falta de autonomia do sujeito na filosofia de Mandiberg caracteriza-o  como o vampiro no seu estado mais evoluído, no qual não existe o reflexo pelo qual se apaixona o narciso Walker Evans e tampouco a busca por este reflexo, como é o caso de Levine.

Levine é um vampiro sim, a assustadora irrupção do vampiro da apropriação literal, que suga aqueles que ainda podem fornecer-lhe substrato para a própria existência. Enquanto Mandiberg tem como objetivo atingir o ponto em que não existirá mais nem um nem o outro, numa crítica quase que anárquica de uma impossibilidade da existência de autor artista, Levine acaba, por vezes, perseguindo o reflexo do qual carece e se auto-afirmando como sujeito e seu trabalho como autoral (como é confirmado em entrevista). Sendo assim, ela não abole a figura do autor, como veremos mais detalhadamente no último tópico, ela a problematiza e faz daí emergir a necessidade de uma nova concepção de autoria, ainda baseada no sujeito e em seu amparo legal - em conseqüência, não desestabiliza o mercado ou prega a perda da aura. Ao contrário, ao se re-afirmar como autora, re-afirma também a aura e o valor mercadológico de seus trabalhos, que têm sua disseminação restrita a poucos espaços de arte e acesso dificílimo do público ordinário e até mesmo de artistas e críticos.

“A” DE AURA

Pode-se dizer que a questão da apropriação fotográfica de Sherrie Levine está intrinsecamente ligada com a reprodutibilidade e a perda da aura, ambos os conceitos a partir da perspectiva de Walter Benjamin (1936).

Segundo o autor, estes funcionariam por equivalência inversa: a aura da obra diminui proporcionalmente à sua reprodução. Aura, portanto, estaria ligada à originalidade da obra. Com relação ao deleite estético vinculado à idéia de originalidade, remete-se a uma anedota narrada por Levine em entrevista (1993):

Entrevistador: Algumas pessoas apreciam seu trabalho por seu apelo estético.

Levine: Sim, e muitas pessoas apreciam o meu trabalho apenas neste nível. Tem uma historia interessante. Quando eu me mudei para Los Angeles eu me mudei para uma bela casa estilo internacional anos 60, com uma bela vista pro lago. Os proprietários, que eram pintores de domingo, ficaram muito empolgados. Eles me deram a casa porque eu era uma artista. A primeira coisa que levei na mudança pra lá foram as minhas pinturas de Bill Leavitt e eles ficaram muito desapontados. Eles perguntaram: ”este é o seu trabalho?” E eu disse: “não eles foram feitos por um amigo meu.”. E então eu apontei para as fotografias After Walter Evans, e eu disse: “este é o meu trabalho”. E eles disseram: “Ah, sim. Estes são bonitos”.

Portanto, se o observador do trabalho de Levine não for um leitor atento (inclusive, para a sutil, porém enfática diferença da legenda, que denuncia no campo de autor da obra o gesto de apropriação da artista), colocará abaixo toda uma função crítica em detrimento de um puro deleite estético.

Curiosamente, Levine não se mostra contra a experiência estética diante da obra, inclusive, enfatiza a importância que ela atribui à beleza visual de seus trabalhos. Esta questão se torna problematizada quanto inscrevemos Levine no campo da apropriação, já que Duchamp, o pai do conceitualismo e inaugurador do gesto de apropriação, postula como fundamental para este gesto a imparcialidade diante da obra. Duchamp coloca que se deve escolher o objeto com total indiferença, apontando assim para a idéia de que a obra é o próprio gesto, não o objeto que se desloca de contexto. Poderíamos inserir o trabalho de Levine neste campo se consideramos a escolha dela por Walter Evans como conseqüência da visibilidade que ele adquiriu e considerá-lo como um mero produto de forças culturais, como atenta Mandiberg, em entrevista (2002):

Eu acredito que, apesar desta genealogia, o projeto (de Levine) foi um produto de forças culturais, e isto foi produzido apesar de quem tenha sido o autor específico – que é seguir o passado de volta aos eventos culturais permeando uma origem em 1963. Se você observar o caso de Walker Evans, existiam muitos outros fotógrafos com produção similar. Da mesma forma, Sherrie Levine não era de forma alguma única no seu movimento de apropriação. Se ela não tivesse re-fotografado obras de arte, alguém mais o teria feito - Louise Lawler, por exemplo.

No entanto, a questão do deleite estético em Levine se torna problemático na medida em que a beleza de seus trabalhos não é casualidade, mas sim um critério de escolha da própria artista. Neste sentido, o gesto de apropriação de Duchamp se torna desprovido da crítica por ele atribuída quando Levine o analisa de maneira plástica. Ela mesma fez uma apropriação do urinol de Duchamp, mas, no trabalho de Levine, que se preocupou em conseguir um urinol da mesma série do de Duchamp, ele aparece, não despropositadamente, dourado.

Ao contrário de Duchamp, Levine não trabalha com a dessacralização da arte e a perda da aura, mas tem como intuito re-investir estes objetos re-apropriados de aura, que ela define em entrevista (1993) como sendo uma aura própria, a aura Sherrie Levine.

Entrevistador: a beleza de seus objetos tem sido sempre um aspecto de seu trabalho. Isto é o que te separa de muitos outros artistas com interesses similares. A beleza do objeto te puxa, em um nível estético, o que, imagino, é sua intenção.

Levine: Eu estou interessada em produzir um trabalho que tenha tanta aura quanto sua referência. Para mim, a tensão entre a referência e o novo trabalho não existe de fato, a menos que o novo trabalho tenha uma presença aurática dele mesmo. Se não for assim, ele se torna apenas uma cópia, o que não é tão interessante.

Entrevistador: aura no sentido em que Benjamin usa o termo.

Levine: Sim.

Entrevistador: Paradoxalmente, ele diz que o trabalho perde sua aura por causa da duplicação...

Levine: Certo (rindo...).

Entrevistador: E o que você está fazendo é duplicando objetos de uma forma que eles terão uma aura, não a mesma do referente, mas uma aura própria, a aura Sherrie Levine?

Levine: Certo.

De fato, Levine acaba tornando suas apropriações até mais auráticas que os originais. No caso da obra After Walker Evans, quando Levine decide fazer pouquíssimas cópias e restringir a sua difusão nos meios de massa, tornando seus trabalhos mais raros e procurados que os do próprio Walker Evans, isto se torna paradoxal, uma vez que este trabalho, supõe-se, trata de reprodução e disseminação, como aponta Michel Mandiberg, em entrevista (2002):

Foi muito difícil encontrar reproduções do trabalho de Sherrie Levine. Eu encontrei três livros com ilustração na Biblioteca Pública de Nova Iorque, apenas poucas imagem no Art in America e suas galerias alegaram não ter nenhum de seus slides. A única maneira pela qual pude ver suas fotografias foi tendo acesso às cópias no Metropolitan Museum of Art. Com certeza, isto é irônico, já que seu processo é supostamente sobre reprodução e distribuição, e depois de vários meses de pesquisa a única maneira pela qual pude ver seu trabalho foi indo no encalço de seus originais.

Tal atribuição de aura, de valor de original nos trabalhos de Levine, é criticada por Mandiberg, que aponta para a questão da comercialização da arte, ponto fundamental também no texto de Foster. Levine, declaradamente, a despeito da concepção Benjaminiana de democratização da arte pelos meios técnicos, como a fotografia, restringe a difusão de suas obras a galerias e as vende a preços exorbitantes em leilões.

A artista americana propõe uma discussão acerca da reprodução da imagem e da persistência da ‘aura’ benjaminiana, contudo, Mandiberg é mais radical ao propor uma nova re-negociação dessa teoria com seu gesto de auto-exclusão do circuito comercial, ao disseminar gratuitamente, pela internet, imagens em alta resolução do trabalho de Levine, tornando possível a reprodução no mesmo formato que o original, junto com o certificado de autenticidade. Desta forma, diz ele em entrevista (2002) que deu um forte passo no sentido de criar um objeto que tivesse valor cultural, mas pouco ou nenhum valor econômico. No trecho a seguir, explica de que forma o ataque à questão comercial se reflete em um crítico posicionamento artístico:

Foi tomado um objeto (After Walker Evans) que tinha valor cultural – que era um objeto de arte-, e usado o certificado de autenticidade, uma ferramenta de defesa do mercado da arte, para impedi-lo de ter qualquer valor financeiro estável. Isto foi uma tentativa de pegar uma ferramenta que estava sendo usada para estabilizar comercialmente práticas artísticas radicais das décadas de 70 e 80, e usar esta ferramenta de estabilização para radicalizar as agora estáveis práticas de apropriação (...) o uso do certificado visa fazer algo diferente do que foi feito, ou talvez feito, por estes artistas trabalhando com apropriação por volta de 1980, eu não queria que estas obras se tornassem mercadorias instantâneas, tanto em termos de objetos quanto de conceitos, como o trabalho da geração de Levine.

O claro comprometimento de Levine com relação ao mercado da arte parece temerário em um sentido de crítica institucional (contrapondo-a novamente a Duchamp, já que ela trata de apropriação). Neste aspecto, o gesto revolucionário de Duchamp acaba se tornando, de tão convencional, uma regra, sendo colocado em situação contraditória, como demonstra a fala de Mandiberg (2002): “Qual é o propósito da prática artística crítica, ou da identidade pós-moderna da arte, se seu veneno é inoculado pela sua assimilação?”. A crítica incisiva de Mandiberg dialoga com a fala de Foster (1996, p.41): “De fato, hoje em dia, ela (a prática artística) tende não tanto a contestar o institucional, quanto a converter o vanguardista numa instituição”.

Levine também possui uma forte afirmação de seu trabalho como sendo autoral, o que é explicitado em uma de suas entrevistas. Enquanto ela se apropria da obra de Walker Evans, dotando-a da “aura Sherrie Levine” e colocando-a no mais fechado circuito comercial, Mandiberg é mais radical por problematizar questões autorais e de originalidade. Tais questões são consideradas por Foster resquícios do valor comercial da obra-prima e são fortemente criticadas, como se pode observar no que segue (1996, p.38):

Se o pluralismo parece liquidar a necessidade de uma arte crítica, também parece descartar velhos avatares, como o artista original e a verdadeira obra de arte. Mas não é o que acontece: como o pluralismo não tem critérios próprios, os velhos valores são revividos, alguns necessários a um mercado baseado no gosto e na avaliação dos connaisseurs, tal como o único, o visionário, o gênio, a obra-prima.

Agora, convém comentar a maneira como Foster aborda uma das origens das características do Pluralismo. Ele defende que tiveram como ponto de partida uma determinada maneira de ver a história da arte como se esta se tratasse de um enorme peso de tradição, o que impossibilitaria a manutenção da produção artística. Dessa forma, diante de tão relevante tradição, nada de novo, ou fazer algo ‘melhor do que tinha sido feito antes’ seria possível.

Mandiberg ressalta, em entrevista (2002), tal pensamento em uma crítica ao trabalho de Levine: “uma das coisas que os artistas daquela geração articulavam era a impossibilidade de conceber a produção cultural como qualquer coisa que não a apropriação”. Podemos constatar claramente tal posicionamento da artista no trecho de entrevista abaixo:

Levine: Quando eu estava na escola (de artes), nos anos 60, eu estava fazendo muitas pinturas minimalistas, e elas pareciam sempre tão derivadas, secundárias pra mim que eu decidi ir em direção a imagem fotográfica como uma maneira de romper com o que eu acreditava ser um beco sem saída. Eu lembro de ter feito um desenho de grade que todos os meus professores adoraram e duas semanas depois, eu penso que vi no ArtForum, eu vi um artigo sobre Brice Marden. Eu fiquei com o coração partido. Eu tive o sentimento de que eu estava re-inventando a roda. Não existia forma de fazer aquilo melhor do que os minimalistas de Nova Iorque estavam fazendo. Finalmente, eu decidi transformar isso em um mérito, como oposto a um problema, no meu trabalho.

“A” DE AUTORIA

“En realidad no buscamos la visíon sino el dejá-vu”.

Joan Fontcuberta.
Assim, se Walker Evans se afirma como autor pelos critérios de singularidade e individualidade, Levine o faz por outros: ela dá ênfase à mediação do aparato tecnológico. Sobre tal forma de reconhecimento, comenta Fabris (2003, p.64):

E o fato de que suas imagens gozem de proteção legal não é um paradoxo. Trata-se do reconhecimento de uma nova concepção de autoria para a qual a fotografia deu uma contribuição decisiva, ao obliterar o primado da mão e ao chamar a atenção para o papel fundamental da técnica como conformadora de imagens.

Mandiberg enfatiza a questão da disseminação e devolução desses produtos ao circuito cultural do qual emergiu, submetendo-o novamente à intervenção. Por este motivo, acredito que somente com esse trigêmeo busca-se um desaparecimento mais radical do autor. Para amparar esta argumentação, pode-se recorrer a dois textos de extrema importância que tratam da autoria: A morte do Autor, de Roland Barthes e O que é um autor?, de Michel Foucault.

Barthes é quem dá voz à idéia de que o Autor, tal como ele se configura, exerce uma função de um ditador de sentido, um Deus-Autor. Será ele, e somente ele, o detentor da verdade do texto, do seu sentido único. É nesse sentido que ele prega a morte do autor: trataria assim, da morte deste funcionamento castrador da figura do Autor; que abafaria os diversos significados polissêmicos que poderiam emergir do Texto. Barthes coloca o Autor como um articulador de idéias já existentes, em detrimento do gênio criador, e enfatiza a importância da linguagem ela mesma. Ele tira o poder que até então era atribuído a este sujeito Autor e o coloca nas mãos do Leitor.

Foucault leva esta discussão para o nível das estruturas de funcionamento da sociedade, ou seja, sua questão é a trama de relações na qual esta figura do Autor estaria inserida. Se Barthes pregava a morte do Autor, Foucault se perguntará em que condições este Autor foi possível e qual era a sua função. É Foucault quem problematiza a questão da comercialização, das instituições, da restrição do estado e da sociedade em relação ao perigo que representa o anonimato e, em última instância, o que encobre este direito autoral que assim se mantem.

Levine atua no sentido de explicitar, com sua obra, o desmantelamento de características do sujeito vigentes ainda no trabalho de Walker Evans, características essas colocadas por Barthes (1987, p.51) no que segue:

Prestígio pessoal do indivíduo, ou como se diz mais nobremente, da ‘pessoa humana’. É, pois, lógico que, em matéria de literatura, tenha sido o positivismo, resumo e desfecho da ideologia capitalista, a conceder a maior importância à ‘pessoa’ do autor.

Levine, então, explicita o desmantelamento dessas características na própria construção de sua obra. Ela desloca, sim, a importância que antes era dessa ‘pessoa humana’ para o Leitor e sua capacidade crítica de confrontamento com a obra, atuando como descreve a fala de Barthes (idem, p.52):

O escritor não pode deixar de imitar um gesto sempre anterior, nunca original; o seu único poder é o de misturar as escritas, de contrariar umas às outras, de modo a nunca se apoiar numa delas.

De outra forma, em Mandiberg, a importância já não está mais na obra que ele construiu a partir destes questionamentos, ou seja, na concepção própria da obra, do seu objeto, mas no questionamento das instituições e inserção do discurso nos circuitos.

A consonância deste pensamento com Foucault pode ser observada na afirmação que segue: “A função autor é, portanto, característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de certos discursos no interior de uma sociedade” (2001, p.274). Em Mandiberg a importância está justamente na disseminação da obra dentro do circuito no qual ela nasceu e do qual jamais saiu acabada - está sempre aberta à intervenção do público por novas apropriações.

Mandiberg torna literal a asserção de que o Leitor deve ser também um Scriptor, o Artista. Ele representa o perigoso anonimato do qual fala Foucault, e aponta para o surgimento de uma nova figura que não será mais o Autor, e que possibilitaria justamente a disseminação, o alastramento de sentido, de ficção (informação não-verdadeira, desconfiável). Segue o comentário de Foucault (idem, p.188):

A função autor desaparecerá de uma maneira que permitirá uma vez mais à ficção e aos seus textos polissêmicos funcionar de novo de acordo com outro modo, mas sempre segundo um sistema obrigatório que não será mais o do autor, mas que fica ainda por determinar e talvez por experimentar.

Podemos nos permitir vislumbrar este desaparecimento ao pensarmos no surgimento primeiro da imagem de Walker Evans, posteriormente da mesma imagem sob o título de Sherrie Levine e, mais recentemente, da mesma imagem proliferada pela internet, agora já com o nome sempre variável no campo do título, todas com um certificado de autenticidade. Sigamos a fala de Foucault (2001, p.288) rumo a este completo desaparecimento, na perspectiva utópica de Mandiberg:

Pode-se imaginar uma cultura em que os discursos circulassem e fossem aceitos sem que a função autor jamais aparecesse. Todos os discursos, sejam quais forem seu status, sua forma, seu valor, e seja qual for o tratamento que se dê a eles, desenvolveriam-se no anonimato do murmúrio. Não mais se ouviriam as questões por tanto tempo repetidas: “quem realmente falou? Foi ele e ninguém mais? Com que autenticidade ou originalidade? E o que ele expressou do mais profundo dele mesmo em seu discurso?” além dessas, outras questões, como as seguintes: “quais são os modos de existência desses discursos? Em que ele se sustentou, como pode circular, e quem dele pode se apropriar? Quais são os locais que foram ali preparados para possíveis sujeitos? Quem pode preencher as diversas funções do sujeito?” e, atrás de todas essas questões, talvez apenas se ouvisse o rumor de uma indiferença: “que importa quem fala?”.

05 fevereiro, 2009



“Pois o que eu realmente estava tentando fazer era uma pintura invisível.”
Warhol
 Podemos interpretar esta frase de várias maneiras. Seguindo a inter-pretação mais corrente, poderíamos dizer que Warhol reitera uma antigaatribuição das imagens, aquela de indicar uma ausência. Pintar o invisível seriapintar o que não pode ser representado. Contrapondo-se à ideologia domi-nante, nos anos cinqüenta, de reiterar uma pintura puramente visual, livre desuas implicações verbais, é natural que durante os anos sessenta vários artistasse voltassem para a dimensão simbólica da imagem. Ao querer pintar o invisí-vel, Warhol nos leva à zona imaterial de Yves Klein, que chegou justamente aexpor o vazio de uma galeria. De fato, aquilo que poderíamos designar comoneovanguarda se baseia na retomada de uma série de procedimentos intrínse-cos à vanguarda como a utilização de colagens, o flerte com o monocromo, avontade de diluir a alta cultura na cultura popular etc.Mas é inegável que nos anos sessenta, da arte pop ao minimalismo, agrande questão era superar as barreiras sublimes do expressionismo abstrato esaber distinguir, de um lado, a pergunta como pintar, de outro a pergunta o quepintar. A fim de resolver esse dilema, muitos artistas indagam pelos códigos quetransformam a imagem numa pintura. Em pleno pós-guerra, a busca pelaretomada do sentido da atividade artística se tornou uma questão crucial. Emvários artistas como Raushenberg, Beuys, Yves Klein, e mais recentementeKiefer e Richter, nota-se uma volta às origens, uma vontade de se reconciliarcom a história - uma genealogia da arte - que dá muito o que pensar e nosremete a antigos debates. Sempre vemos a história com olhos fincados no pre-sente, mas ler o texto sobre a origem da pintura, escrito por Plínio, por voltade 79 d.C., se torna uma experiência muito contemporânea: “A pergunta pelaorigem da arte da pintura é incerta e não faz parte do projeto deste trabalho. OsEgípcios declararam que ela foi inventada por eles há cerca de seis mil anos, antesde ser levada à Grécia – o que certamente é uma asserção um tanto questionável.Quanto aos gregos, alguns dizem que foi descoberta em Sycon, outros em Corinto.Concordam em afirmar que ela surgiu ao se traçar um contorno sobre a sombraprojetada de um homem e assim foi feita originalmente; já num segundo estágiose inventou um método mais elaborado feito a partir de uma única cor chamadamonocromo, método utilizado até hoje” 1 . Marco Giannotti ANDY WARHOL OU A SOMBRADA IMAGEM Andy Warhol, “Brillo box”, serigrafia sobre madeira, 1964 (43,5 X 43,5 X 35,6 cm)1. PLINIO. “HistóriaNatural”. In STOICHITA,Victor. A Short History ofthe Shadow. Londres:Reaktion Books, 1999, p. 11.
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119118119Giannotti Os gregos sempre ligaram simbolicamente a sombra com a alma e como duplo de uma pessoa. A sombra se torna magicamente uma força oculta. Ora,se a pintura surge ao se fixar a imagem de uma sombra projetada, ela adquirevitalidade (zoon) como uma espécie de duplo. Neste mundo de imagens proje-tadas, Warhol apresenta uma atitude diametralmente oposta à de Platão.Acreditando na aparência, Warhol considera a imagem mais real do que aprópria realidade: “Antes de levar um tiro pensava que estava aqui mais pelametade do que por inteiro, sempre acreditei estar vivendo na tela e não na vidareal. A gente diz às vezes que as coisas que passam no cinema não são reais, massinto que o que não é real são as coisas que passam na vida real” 3 . Para ambos oreal não pode ser representado. No caso de Warhol, temos uma realidade per-dida que não pode ser representada, somente repetida. A realidade é tratadacomo um negativo, algo que deve se apagar: “a minha mente é como umgravador de um só botão: o de apagar” 4 .Os auto-retratos de Warhol são um exemplo desse processo de oculta-mento do sujeito: seguindo a máxima de Oscar Wilde de revelar a arte e escon-der o artista, Warhol reproduzia sua imagem de modo mecânico e impessoal,como se já não estivesse presente ao pintar a si mesmo. Seus retratos eramfeitos a partir das fotos que tirava em máquinas automáticas instantâneas. Suaimagem muitas vezes aparece duplicada, seja em posições de perfil e frontais,seja como uma sombra incorporada à imagem, como um duplo. Há sempre umjogo entre o negativo da fotografia e a imagem projetada como positivo, algoque remete aos jogos duchampianos de reversão da imagem. Imagens em dife-rentes ângulos: um é múltiplo, o mesmo é diferente, a representação é o nega-tivo da pessoa. Não há mais semelhança porque não há mais um único origi-nal, apenas uma imagem que reflete outra imagem. Raramente se percebe estesentido corrosivo na obra de Warhol. Contudo, uma obra de arte é semprecapaz de resistir à sua reprodução. Mesmo uma pintura de Warhol surpreendequando é vista ao vivo. Warhol foi capaz de criar o estranhamento necessário para impregnarde mistério suas imagens rotuladas. Parece-me que, ao negar a originalidade daimagem, buscava outra imagem que não poderia ser representada. Se não resi-dem no plano ideal, temos sensação de que apresentam algo que não pode serdito. A relação entre elas e o seu referente parece perdida para sempre. Maspensar isto não faz com que a imagem se transforme numa outra imagem?“Gostaria de permanecer eu mesmo um mistério. Não gosto de revelar minhas ori-gens e, de qualquer modo, transformo-as por completo toda vez que sou ques-tionado”.A associação entre Warhol e o mundo platônico pode soar um tantoarbitrário e, confesso, surgiu a partir de uma sensação que sempre tive diantede suas telas. As imagens presentes em seus quadros parecem ausentes, cópiasdas cópias, e indicam algo mortífero que irei explorar em seguida. Esse aspec-to se torna ainda mais evidente na série de sombras, que claramente remete àalegoria da caverna. Warhol, com sua brancura quase albina, aproxima sua vida 3. WARHOL. A. MiFilosofia de A a B y de Ba A. Madri: Tasquets, p. 99.4. WARHOL. Op. cit., p.217. Giannotti Se de imediato podemos associar esse texto às antropometrias de YvesKlein e aos monocromos I.K.B. – sem falar na dimensão indicial de uma pin-tura como vestígio de um corpo, que não é mais representado mas decalcado.Se pudermos claramente perceber as raízes metafísicas na cultura francesa deKlein, em que medida podemos relacionar o mais pop dos artistas com as ori-gens da pintura? Em 1972 Warhol faz uma série de pinturas que nomeia Shadows –sombras. Duas imagens em negativo de sombras são transferidas pela técnicade silkscreen para a tela. A partir delas, faz diversas variações cromáticas uti-lizando pinceladas largas que remetem ao expressionismo abstrato. Essas obrasformam um conjunto de cerca de 70 painéis do mesmo tamanho, dispostosseqüencialmente como um friso. Este ciclo de pinturas pode ser visto atual-mente no Dia Art Foundation, em Beacon, ao norte de Nova York. Ao falar em sombras somos levados a retomar o famoso trecho daRepública (514-15 a.C.), de Platão, que descreve a alegoria da caverna e refletesobre a educação e a ignorância. Homens acorrentados no interior de uma ca-verna, sem ter acesso ao mundo exterior, só podiam ver sombras projetadas naparede. Sócrates se pergunta se, ao liberar um dos prisioneiros e conduzi-lopara o exterior da caverna, seria possível convencê-lo de que teria visto tão-sómeros fantasma, mas agora, mais perto da realidade, teria acesso a um mundomais justo. Como poderia distinguir os dois planos, da realidade e da aparên-cia? Seus olhos não se cegariam diante da luz? Após ter acesso ao verdadeiroconhecimento, gostaria de voltar para suas velhas ilusões? Além do mais, quan-do retornasse para o interior da caverna, seria capaz de convencer seus paresde que a verdade não reside nas sombras, mas no iluminado mundo exterior?É curioso notar como Platão, que sempre desconfiou dos pintores aponto de expulsá-los de sua República recorre, de forma tão brilhante, a metá-foras visuais. O acesso ao verdadeiro conhecimento é constituído por um itine-rário educativo, cujo começo seria o estágio das sombras e o final, o estágiosolar - a realidade situando-se entre eles. As imagens se colocam no mundo dasaparências (phainomenon) e estão distantes do mundo das formas-idéias per-feitas que constituem a verdade (aletheia). Platão via as imagens como sombras(skias) ou como reflexos na água (phantasmata). Segundo Panofsky, para Platão,há duas possibilidades: “ou o artista - e é a melhor delas - produz escrupulosasimagens que, tomadas no sentido da imitação por cópia, reproduzem os conteú-dos da realidade que se oferecem à percepção sensível, mas apenas esses conteú-dos, e de acordo com as coisas (nesse caso o artista contenta-se em duplicar inutil-mente o mundo sensível que, por sua vez, não é mais do que uma imitação dasidéias), ou então engendra aparências incertas e enganosas que, no sentido emque entendemos imitação por simulacro, diminuem o que é grande e aumentamo que é pequeno de modo a induzir erros em nosso olhar, ele próprio imperfeito.Daí resulta que a obra de arte aumenta ainda mais a confusão em nossa alma econstitui, em relação à verdade, uma espécie de terceiro termo afastado da ver-dade” 2 . 2. PANOFSKY. Idea: aevolução do conceito debelo. São Paulo: MartinsFontes, 2000, p. 10.
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121120Giannotti mito romântico que busca sempre uma originalidade genial? Warhol faz dasombra não apenas um murmúrio platônico, converte essa ausência numa ala-vanca para novas possibilidades que se apresentam na repetição. Ao celebrar aausência, está celebrando novas possibilidades para a pintura.*** Todas as fotos são memento mori. Susan Sontag Depois das sombras projetadas na parede, qual seria a fonte de novasimagens? O reflexo de Narciso nas águas remete àquele fenômeno da naturezade produzir imagens refletidas. Imagens que marcam não a alteridade, masidentidade. A imagem humana se espelha em uma imagem divina no mito dacriação. Os espelhos são explorados indefinidamente na pintura, de Van Eyckao impressionismo, de Picasso a Jasper Johns.O que pretendo explorar agora são os retratos de Andy Warhol do iní-cio da década de sessenta. Em um artigo intitulado Saturday Disasters: Traceand reference in early Warhol, Thomas Crow analisa como seus retratos não seoriginaram a partir da presença física da pessoa, como acontece no retratotradicional, mas, pelo contrário, de sua ausência. No caso já citado de MarilynMonroe, Warhol começou as pinturas poucas semanas após seu suicídio, em1962. Transformando a imagem na apresentação de uma ausência, como nasantigas pinturas funerárias, liga seu sentido ao ato de mourning, velar. Aimagem da atriz aparece como um ícone bizantino sobre um fundo dourado. Warhol começa a série sobre Marilyn no momento em que passa a uti-lizar o silkscreen, criando uma proximidade entre a técnica e a significação. Aoaumentar monocromaticamente os pontos da reprodução fotográfica, retiramuito do imaginário, da presença viva da estrela. Nos dípticos, coloca uma telamonocromática ao lado de outra retratando a atriz, produzindo, então, uma“dialética não resolvida entre a presença e a ausência, entre a vida e a morte” 8 . Serefletirmos sobre a vida de Marilyn, é curioso notar que ela se referia a simesma de modo esquizofrênico, como para virar estrela sua imagem tivesse sedescolado da mulher anônima. A imagem aqui produz uma identidade diferentedo próprio referente.Além da morte trágica de Marilyn, dois acontecimentos terríveis envol-vendo mulheres marcantes do cenário americano são retratados: a doença deElisabeth Taylor, que faz com que ela interrompa abruptamente a filmagem deCleópatra, e a trágica morte do presidente Kennedy e a conseqüente viuvez pre-coce de Jacqueline. Poderíamos dizer que essas séries – sem falar no Tuna FishDisaster de 1963, onde pessoas anônimas morrem ao ingerir uma lata de atumcontaminado – se celebram alguma coisa, é a própria morte: “Acredito que foia pintura sobre o acidente de avião na primeira página de um jornal, anuncian-do a morte de 129 pessoas ( 129 DIE !). Estava também pintando as Marilyns e 8. CROW, Thomas.“Saturday Disasters: Trace and reference in earlyWarhol”.In October Files.Cambridge, Massachusetts:MIT Press, 2001, p. 52. 120Giannotti da escravidão: “Tenho uma concepção relativa de ‘trabalho’, pois acredito que osimples fato de estar vivo já implica trabalhar tantas coisas que não se deseja.Nascer é como ser seqüestrado para depois ser vendido como escravo. As pessoastrabalham todos os minutos, a máquina está sempre em movimento, mesmo quan-do se dorme” 5 . Não estou querendo dizer com isso que Warhol fosse um inte-lectual buscando resolver o problema da dualidade entre a essência e a aparên-cia, mas, como grande artista que era, estava ciente dos grandes problemas quese colocavam para a pintura na década de 1960. Após o vazio iconoclasta dosanos 50, voltar a colocar imagens em um quadro de fato deveria ser um grandedesafio para os jovens artistas pop.Stoichita, no livro A Short History of the Shadows, dedica um capítuloa esse ciclo de sombras. Fazendo o papel de detetive, descobre que a série seinicia em dezembro de 1979, após a morte de De Chirico, em 17 de novembrodaquele ano. Posteriormente irei mostrar como muitas pinturas de Warhol sãomotivadas por mortes, o que remete novamente à origem da pintura comoforma de rememorar uma perda e de celebrar outra vida que está além.As afinidades entre Warhol e De Chirico, pai da pintura metafísica,podem soar um tanto estranho para quem vê na obra de Warhol apenas a mun-daneidade do mercado. Entretanto, Stoichita recupera uma foto de 1974 emque Warhol aparece à sombra de De Chirico. Warhol assume sua dívida com oartista quando diz “Eu amava tanto seu trabalho. Amava sua arte e, sobretudo, aidéia de que ele repetia sempre a mesma imagem. Apreciava demais esta idéia, demodo que pensei que seria muito interessante fazer isso também... De Chiricorepetia as mesmas imagens ao longo de sua vida. Acredito que fazia isso não ape-nas porque as pessoas e marchands pediam a ele que assim o fizesse, mas porquegostava disso e via na repetição uma maneira de se expressar. Provavelmente é issoque temos em comum... As diferenças? O que ele repetia regularmente, ano a ano,eu repito no mesmo dia e na mesma pintura... é uma maneira de se expressar...todas minhas imagens são a mesma... mas diferentes ao mesmo tempo. Mudamcom a luz das cores, com os tempos e modos... não seria a vida uma série de ima-gens que mudam à medida que se repetem?” 6 Segundo a interpretação corrente que associa Warhol à tradiçãoplatônica onde “cada tela é o reflexo de uma sombra, onde cada original já é umareprodução, a tela reflete o mundo, e o mundo é a reduplicação de uma tela” 7 , apintura continuaria a ser apenas simulacro, reflexo esmaecido de um mundooculto. Voltando ao início, essa variação de imagens pode remeter à tradiçãoplatônica, na qual a busca por uma imagem original se revela sempre incom-pleta. Mas há também outra forma de analisar essa variação: ao invés de umaperda, pensarmos na variação como uma grande fuga onde a repetição revelanovos aspectos da imagem até então não revelados. Ao invés de celebrar uma imagem sempre ausente, Warhol não reve-laria aspectos contraditórios deste mundo cada vez mais destituído de imagensoriginais? Convém lembrar que as imagens são as mesmas mas também dife-rentes. Ele não estaria seguindo a vertente duchampiana de questionar o velho 6. WARHOL. Apud STOICHITA. Op. cit., p. 207.7. Idem, p. 217.5. WARHOL. ApudSTILES, K. & SELZ, P.Theories and Documentsof Contemporary Art.Berkeley: University ofCalifornia Press,1996, p. 346.
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123122Giannotti que o artista moderno entende pela dimensão técnica. Há um diálogo muitoesclarecedor entre Buchloh e Warhol no que tange às diferentes concepções detécnica.“Buchloh: Você não acha que há uma diferença de atitude no que dizrespeito à técnica na série de pinturas Oxidation ou Rorschach? Elas não cele-bram a técnica, se celebram algo, seria o oposto.Warhol: Não, eu sei, mas também tinham técnica. Se pedisse a alguém pararealizar uma pintura Oxidation, e se ela não pensasse a respeito, a pintura setornaria caótica.Buchloh: Esta é uma definição diferente de técnica. A mudança que ocorreu noseu trabalho nos últimos cinco anos não o incomoda? O retorno à figuração, oretorno a um procedimento manual, não haveria um conflito com o seu própriotrabalho e sua história?Warhol: Não, porque estou fazendo o mesmo quadro... Se eu continuasse afazer as sopas Campbell, sim, mas todo mundo faz, no fundo, apenas uma pin-tura. Seria uma boa idéia realizar a mesma pintura várias vezes apenas quandonecessitasse de dinheiro, pois, no final das contas, é só mediante ela que opúblico recorda de você de qualquer modo...”Vale a pena distinguir o conceito de técnica elaborado pelo crítico epelo artista. Warhol tem uma noção muito mais próxima da tekne antiga, a téc-nica entendida como uma virtualidade como diz Francastel, em contraposiçãoa uma interpretação mecanicista da técnica. Se o artista pinta sempre o mesmoquadro, é a técnica que aponta novas possibilidades. O que Buchloh cobra deWarhol é justamente um distanciamento conceitual em relação ao trabalho doartista:“Buchloh: O fato de que as pessoas agora pretendam novamente quea pintura seja algo criativo e habilmente executado, e que dependa da com-petência artística – parece haver uma reviravolta das idéias dos anos sessenta –você não vê um problema nisso? Pois vejo em suas pinturas recentes que elasse distanciam de tudo isso. De fato as pinturas Oxidation e Rorschach parecembem polêmicas?Warhol: Não, mas naquele tempo elas poderiam se adequar às pinturasconceituais, ou algo assim.”Em mais uma resposta negativa vemos como o artista embaralha ocrítico ao dizer que elas poderiam ser conceituais, embora dependam de umatécnica. Buchloh, sempre insatisfeito com as respostas traiçoeiras de Warhol,volta a criticar a retomada da pintura nos anos 80 que, segundo ele, seria con-servadora por reintroduzir noções ultrapassadas de originalidade, fatura, habi-lidade, pessoalidade etc.“Buchloh: Nunca entendi ao certo porque tudo mudou desse jeito,porque repentinamente as pessoas começaram a olhar para as pinturas como senada tivesse acontecido.Warhol: É como nos anos sessenta quando encontramos as primeirasdrag queens, que pensavam serem as primeiras a fazer isso. Acreditaram serem Giannotti me dei conta que tudo que fazia se relacionava com a morte. Era natal ou dia dotrabalho – um feriado – e toda vez que sintonizava o rádio diziam algo assim “4milhões irão morrer”. Assim começou, mas quando você vê uma pintura impac-tante muitas vezes, elas não têm o mesmo efeito.” 9 Efeito anestésico. Entretanto,o que une estrelas e pessoas comuns, se não o destino inexorável da morte? Em um outro quadro, Warhol diz ter retratado todas as pessoas – umcrânio, afinal de contas, não é o retrato de todos nós? Nessa pintura Warholrecoloca o sentido da vanitas no cenário contemporâneo: tudo passa. “Nuncaentendi porque, quando se morre, não se desaparece simplesmente. Gostaria quemeu túmulo fosse branco, sem epitáfio, sem nome. Bem, se possível, gostaria dedizer figmente, fingere.” 10 Impossível não pensar na célebre frase de Picasso,quando diz que a arte é uma mentira, uma mentira que nos faz conceber a ver-dade. Essa frase é retomada por Orson Welles em F for Fake, em que escolhe avida de um falsário para refletir sobre a arte moderna. Voltando às cenas trágicas impressas de modo mecânico e impessoal,lembramos que Warhol não é um observador passivo diante delas, basta-norever a série sobre os levantes raciais do mesmo período. A cadeira elétrica éoutro ícone dessa fase e remete aos protestos feitos na época contra a pena demorte. A cadeira vazia se torna incômoda, porque qualquer um de nós podeacabar sentado nela. Há ainda outra série de acidentes de carros, o símbolomáximo de uma cultura produzindo mortes anônimas, sem falar sobre outraque retrata pessoas espatifadas no chão após ter cometido suicídio. O que tornatodos esses quadros tão fortes e instigantes é a dualidade em representar umacena traumática que, por sua vez, rapidamente pode se tornar comum, fazendoparte de nossas vidas.*** Uma vez que você entende a “Pop” nunca mais você vê o signo da mesma maneira. Warhol É notório o distanciamento artístico de Warhol em relação à fatura, àgestualidade, à transubstanciação da matéria em subjetividade. Graças a eleWarhol se despede do designer gráfico de propaganda e se inicia no “grande”mundo da arte. Sua capacidade de apagar os resquícios expressionistas, mesmoem relação aos seus antecessores Rauschenberg e Johns, é impressionante. Autilização em série da mesma imagem, por mais que ela apresente sempre dife-renças, contribuiu muito para a serialidade minimalista posterior. Warholincorporou grandes conquistas do expressionismo abstrato, por exemplo, a tintametálica de Pollock, transpondo-a para os grandes monocromos, confere umaspecto simbólico e paradoxal a essas imagens mecânicas. No caso do dripping,Warhol subverte o efeito produzido pela gestualidade ritual de Pollock pelogesto comum de urinar sobre as telas produzindo oxidações. Essas atitudes,deliberadamente irônicas, muitas vezes levam a uma interpretação errônea do 10. WARHOL. ApudKRAUSS, R. “CarnalKnowledge”. In OctoberFiles. Op. cit., p. 111.9. WARHOL. ApudSTILES & SELZ. Op.cit., p. 343.
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125124Giannotti *** É um erro definir o homem como natural, este não existe mais, é o homem artificial, de artifício, quehoje encontramos. Não existe mais natureza. Ainda partimos da observação da natureza, quando naverdade há muito deveríamos partir somente da observação do artifício. É por isso que tudo está tãocaótico, tão falso, tão infeliz, tão tremendamente confuso. Thomas BernhardTodos meus filmes são artificiais, mas tudo é de alguma maneira artificial. Não sei ao certo onde o artificial acaba e o real começa. Andy Warhol Os quadros sobre Marilyn Monroe indicam outro aspecto a ser explo-rado. O artista pinta ao mesmo tempo em que maquia as imagens. Aspectos daatriz se transformam à medida que são maquiados -pintados diferentemente, aponto de termos numa tela apenas o registro do lábio envolto em um batom ver-melho. A maquiagem nos leva a uma descrição conhecida de Baudelaire sobreo pintor da vida moderna, texto onde se encontram semelhanças notáveis entreWarhol e o pintor moderno.Baudelaire nos diz que, na vida moderna, o movimento rápido dascoisas leva o artista a igual velocidade de execução, exatamente o que a técni-ca de silkscreen propicia. É um pintor de modos, é um observador, flaneur, filó-sofo, dândi, algumas vezes poeta, é o pintor das circunstâncias e de tudo quesugere o eterno 13 . A dualidade entre o efêmero e o eterno, o fugitivo e o infini-to, analisada acima na série dos retratos de Warhol, já se encontra emBaudelaire. Este afirma que gostaria de acreditar que monsieur G. não existe,nada mais sendo do que um anônimo na multidão, como no epitáfio desejadopor Warhol. Baudelaire lembra ainda que o artista moderno é viajado, cos-mopolita, ligado a um jornal inglês, o que nos remete à death series de Warholque se inicia apresentando uma capa de um jornal. O pintor moderno tem asensibilidade de uma criança convalescente . O que sugere Warhol com suapalidez albina? Cabe ainda lembrar que Stoichita, ao analisar heterônimos deWarhol, sugere que Mickey Mouse seria um deles, visto que nasceram nomesmo ano, 1928, como Pinóquio para De Chirico – bonecos atemporaisadvindos da infância. Warhol chega a dizer que gostaria de ser uma máquina.O artista moderno se interessa vivamente pelas coisas, por mais triviaisque sejam, e o mundo é seu domínio. “Se você quiser saber tudo sobre AndyWarhol, veja a superfície das minhas pinturas, filmes e eu, isto sou eu. Não hánada atrás”. A fábrica - ateliê de Warhol - tornou-se célebre como o spot, pontode encontro da foule pop nova-iorquina. Ele sempre se fascinou pelas massas:“Gostaria que todos pensassem igual, a Rússia está fazendo isso com seu go-verno, aqui tudo acontece por si só” 14 . Ou na série sobre Mao, onde o líder darevolução cultural é maquiado como imagem de culto.Em cada uma de suas obras o pintor moderno busca a ressurreição. 13. BAUDELAIRE. “Le Peintre dans la vieModerne”. In Oeuvres.Paris: Plêiade, 1954,p. 885.14. WARHOL. Apud FOSTER. “Death inAmerica”. In OctoberFiles. Op. cit., p. 75. Giannotti as únicas pessoas que imaginaram se tornar uma drag queen, o que é algoestranho. Como se tivessem inventado isso, e, no entanto, tudo se torna novo,o que é muito interessante” 11 .Se o pintor pinta o mesmo quadro, o que interessa é como joga com asaparências, a maquiagem e a maquinaria da pintura, para mantê-la viva diantede um público sempre renovado.Warhol muitas vezes jogou com valores comerciais num meio culturalque a qualquer custo procura escamotear esses valores. Isso em particularagradou bastante os novos ricos que, pela primeira vez, puderam comprar arteà vontade. Em contrapartida, quando era um designer comercial, sempre con-feriu aos seus produtos, paradoxalmente, uma aura artística. Ao fazer do ateliêuma fábrica, sabia que dificilmente estaria produzindo outra coisa do que mer-cadorias: “A Fábrica é tão conveniente como qualquer outro lugar. É um lugaronde se constroem coisas, é um lugar onde faço meu trabalho. No meu traba-lho artístico, a pintura à mão tomaria muito tempo, em todo caso, essa não é aépoca em que vivemos. Meios mecânicos são atuais e ao utilizá-los consigomais arte para mais pessoas. A arte deveria ser para qualquer um.”A originalidade de Warhol está em incorporar novas técnicas de reprodução domundo sem se deixar dominar por elas, conferindo-lhes nova dimensão, novavirtualidade. Vivemos em um mundo em que os objetos artísticos se tornaramcada vez mais mercantilizados. Os museus, que antes guardavam obras, setornaram grandes empreendimentos capitalistas. Ao jogar com a dualidade per-versa da obra da arte no mundo, Warhol soube explorar novos rumos para a artecontemporânea sem cair no niilismo estéril ou na ingenuidade romântica.No mundo de hoje, o que está em jogo não é mais a contemplação danatureza, mas a utilização de imagens cada vez mais artificiais. Se a técnicaconforma os sentidos, mais do que nunca as novas tecnologias interferem nanossa maneira de ver e interpretar o mundo. A natureza não é mais o anteparoúltimo que permite ao artista verificar se o seu esquema representacional estácorreto ou não. Não há mais espaço para a dúvida de Cézanne. Interpretaçõesque se apóiam na mimese para dar sentido ao trabalho artístico se tornam cadavez mais problemáticas. Temos dificuldade em aplicar critérios fenomenológi-cos quando a pintura se torna cada vez mais auto-referente e passa a comentarum mundo virtual. O excesso de citações nas obras contemporâneas é notável. Se, por umlado, a utilização cada vez maior de imagens produz um impacto imediato noespectador, essa relação está, entretanto, muitas vezes mediada por um textoexplicativo. Saímos da era da contemplação e entramos na era da informação.O espectador não deseja mais se confrontar com o inefável, o incerto, inde-cifrável, transcendente, busca antes decifrar o mais rápido possível a imagemque tem diante de si. Warhol teve um papel fundamental nessa mudança deparadigma da arte contemporânea, onde a obra muitas vezes merece apenas 15minutos da atenção do observador. 11. WARHOL. “AnInterview”. In OctoberFiles. Op. cit., p. 125.12. WARHOL. Idem, p.5.
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126Giannotti Como afirma Baudelaire, ele diz a qualquer coisa: “Lázaro, levante-se” 15 . Suasobras são feitas com a rapidez do crayon, como se a execução não fosse rápidao suficiente para captar a imagem que já se tornou fantasma.A execução se torna inconsciente ou mecânica e, muitas vezes, de talforma repetitiva que se torna tediosa: “Eu me canso tanto da pintura, já tenteimuitas vezes abrir mão dela, se fosse possível viver do cinema ou do jornalis-mo… É tão chato pintar sempre a mesma coisa” 16 . Frase mais dândi do que essaé impossível!As semelhanças não param. Em outro momento, Baudelaire diz que G.atribui grande importância aos fundos e que tem o talento misterioso do colo-rista. No capítulo em que elogia a maquiagem, fala que a mulher “deve ser má-gica e sobrenatural, deve chocar, deve dourar-se para ser adorada… oartista–filósofo encontrará facilmente a legitimação de todas as práticas empre-gada, o tempo todo, pelas mulheres para consolidar e divinizar, por assim dizer,uma beleza frágil. Os procedimentos são inumeráveis, mas, para se restringiràquilo que nosso tempo denomina vulgarmente maquiagem, cujo fim é fazerdesaparecer da face às manchas que a natureza semeou de maneira ultrajante.Cria-se também uma unidade abstrata no grão e na cor da pele que aproxima oser humano da estátua, ou seja, um ser divino e superior” 17 . Isto não é umadescrição perfeita da Marilyn? Quantas vezes o próprio Warhol se maquiava ese fantasiava, retomando a atitude provocativa de Rrose Sélavy de Duchamp? Por fim, Baudelaire afirma que o artista moderno atravessa os longosdesvios da high life e da low life – da mesma forma que Warhol jogava conti-nuamente ao fazer grande arte no mundo da propaganda e fazer propaganda nomundo da grande arte 18 . No capítulo final, Baudelaire fala da originalidade comque G. retrata os carros, assim como Warhol, que transforma em máquinasmortíferas esse símbolo máximo do consumo americano. Baudelaire afirma quenão podemos atribuir à arte a função estéril de imitar a natureza, o artista mo-derno vive do artifício e para o artifício, por sua vez, Warhol é ponto máximodesse artificialismo levado às últimas consequências. 

Marco Giannotti é artista plástico e docente do Departamento de Artes Plásticas da Escola deComunicações e Artes da Universidade de São Paulo.